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Direito das mulheres: decisão reconhece que Fundação Renova cometeu discriminação institucional contra atingidas

Tratamento discriminatório contra as mulheres

Instituição adotou conceitos machistas, patriarcais e meramente econômicos no cadastro para indenizações do caso Samarco, diz Ministério Público Federal.

Os Ministérios Públicos e Defensorias Públicas que atuam no caso Samarco obtiveram uma decisão, em tutela de urgência, que proíbe a Fundação Renova de ter comportamentos discriminatórios contra as mulheres.
A pedido dos autores da ação civil pública, a Justiça Federal determinou à Fundação que não coloque as mulheres em situação de submissão ou dependência, seja perante o seu marido, companheiro ou parente, possibilitando que possam ter acesso às suas informações e promover quaisquer alterações no respectivo cadastro para recebimento das indenizações, de forma direta, autônoma e sem intermediadores ou autorizações.

A ação foi movida conjuntamente pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG) e Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES).

Além disso, a decisão também determina que Fundação Renova cumpra a cláusula 28 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) e permita a efetiva atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres cadastradas ou com solicitações de cadastro pendentes, a partir de requerimentos individualizados já apresentados e/ou a serem apresentados pelas mulheres atingidas.
Deve ser possibilitada a inclusão ou retificação de toda e qualquer informação que seja necessária para fundamentar a sua elegibilidade e permitir o acesso direto das mulheres ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), ao Programa de Indenização Mediada (PIM) e ao Sistema Indenizatório Simplificado (Novel).

A Renova também foi obrigada a conceder acesso imediato ao AFE, PIM e NOVEL das mulheres cadastradas na Fase 01, prioritariamente, devendo todas as informações pendentes serem devidamente saneadas para o correto enquadramento na categoria pleiteada pela mulher.

Por fim, a Justiça Federal ordenou o encerramento da discriminação entre titulares e dependentes do cadastro, organizando os dados sob a responsabilidade da Fundação Renova de modo que a mulher atingida consulte assuas informações de forma autônoma e independente.

Violência institucional

Ao conceder a decisão, o Juízo Federal da 4ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte reconheceu que existem elementos suficientes para o reconhecimento do tratamento discriminatório por parte da Fundação Renova contra as mulheres.

“A conduta da Renova corresponde a uma violência institucional, na adoção de uma política baseada em conceitos machistas, patriarcais e meramente econômicos, o que permitiu o surgimento de condições para a prática de atos de violência patrimonial, psicológica e moral contra as mulheres atingidas pelo desastre da barragem de Fundão”, escreveu o juiz federal substituto Vinicius Cobucci.

Prazo e condições


A decisão concedeu um prazo de 60 dias para a adequação progressiva da base de dados com base na adoção das providências a serem tomadas.
Além disso, não foi permitida uma paralisia completa das atividades da fundação.
“A adequação progressiva da base de dados deve ser realizada com base na proporcionalidade, de modo que reassegurado um mínimo de garantias da LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais], os dados possam ser tratados, com o incremento progressivo de alterações e melhorias adicionais. Evidentemente, há urgência na medida, que talvez possa ser implementada de modo relativamente rápido, já que a Renova observa a LGPD em outras atividades, especialmente as de meio”, determinou o magistrado.

A ação


Ajuizada em 24 de junho, as instituições de justiça pedem, além de indenização pelos danos materiais individuais causados pela violação sistemática aos direitos humanos a essas mulheres, o pagamento de indenização de, pelo menos, R$ 3,6 bilhões pelos danos morais coletivos gerados.

Baseada em uma perspectiva de combate à violência de gênero, a ação demonstra, por meio de relatórios e documentos, que as mulheres foram invisibilizadas e, portanto, prejudicadas por uma série de violações de direitos empreendidos pelas empresas e executado pela Fundação Renova, durante o cadastramento e o processo de reparação de danos.
Ela segue a linha do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero formulado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujas diretrizes se tornaram obrigatórias desde 14 de março de 2023.

A utilização, pela Fundação Renova, de um modelo de família patriarcal como único tipo possível foi apontada como base para violações de direitos.
Conforme a ação, isso gerou para as mulheres inúmeros problemas, como dificuldade de acesso aos seus dados pessoais inseridos na plataforma gerida pela fundação e também obstáculos para requerer a correção de dados incorretos, condicionando o ato à autorização de seus maridos.
“Ao assim proceder, a Fundação Renova e as mantenedoras revisitam o arcaico Código Civil de 1916, considerando, na prática, as mulheres incapazes de exercerem os atos da vida civil sem a supervisão do homem”, escreveram na ação as instituições de justiça.

Fonte: MPF

Foto: Antônio Cruz/Abr e  Julia Moraes / Greenpeace

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