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Rompimento de Mariana completa nove anos: comunidades ainda são forçadas a conviver com obstáculos na reparação e violações de direitos

Rompimento de Fundão

Diante de inúmeros problemas relacionados ao reassentamento, acesso à água potável, saúde e recuperação ambiental, evidenciando a ineficiência do processo de reparação, as pessoas atingidas lançam o questionamento: como contar o tempo que não volta?

No próximo dia 5 de novembro, completam-se nove anos do rompimento da barragem de
Fundão, operada pela Samarco (Vale/BHP), que devastou o subdistrito Bento Rodrigues, em
Mariana, assim como outras comunidades no percurso da lama até o Espírito Santo.
Mesmo após quase uma década do maior crime socioambiental do Brasil, as pessoas
atingidas seguem enfrentando graves dificuldades na reparação dos danos que ainda marcam
profundamente suas vidas e territórios.

Os desafios incluem problemas como falhas no reassentamento, falta de acesso à água, negligência na recuperação do solo, precariedades habitacionais, além de uma sobrecarga judicial com mais de 50 mil ações que buscam justiça e indenização compatíveis com a complexidade e a extensão das consequências do rompimento:
“A gente passou 9 anos e ainda continua no sofrimento. Eu não sou reconhecida
como atingida. Perdi tudo, tô morando de aluguel e eles não me reconhecem como
atingida. Na zona Rural nós estamos abandonados. Não indenizaram as pessoas, nem
o campo de futebol de Pedras [comunidade] eles fizeram. Os terrenos, para as
pessoas estarem plantando, ainda estão cheios de lama”, afirma Marlene Martins, representante da comunidade de Pedras na Comissão de Atingidas e Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF).
Desde 2015, o despejo de aproximadamente 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de
minério de ferro devastou comunidades, destruiu infraestruturas, interrompeu modos de vida
tradicionais e deixou um rastro de violações de direitos que ainda se impõem às famílias
atingidas. Embora as empresas envolvidas, incluindo a Fundação Renova, aleguem que o
processo de reparação estaria, neste momento, próximo de sua conclusão, a realidade não
sustenta essa afirmação.

Dados


Segundo a equipe técnica da Cáritas MG | ATI Mariana, dados recentes de 2024 apontam que
cerca de 85,98% das moradias reassentadas apresentam falhas de acabamento, 60,64% têm
esquadrias defeituosas, e outros 32,09% sofrem com infiltrações, além de fissuras nas
construções (31,25%).

O déficit de área, com lotes menores que os anteriores ao rompimento, agrava a situação, inviabilizando o restabelecimento das condições de vida anteriores.

Os núcleos familiares que não são contemplados pelo reassentamento coletivo também sofrem
com a impossibilidade de retomar suas formas de produção e atividades econômicas.

Em todas as comunidades há casos de famílias que perderam suas fontes de renda e ainda não
conseguiram recuperá-las após o rompimento.

Reparação integral


A ideia de reparação integral — prevista nos princípios de justiça ambiental e firmada em
acordos com as comunidades atingidas — deveria assegurar a restauração social, econômica,
cultural e ambiental dessas populações.

No entanto, a reparação tem se restringido a aspectos materiais, sem abarcar a restituição plena dos direitos, modos de vida e autonomia das comunidades.

Soma-se a isso o desgaste emocional de famílias que, além das perdas, convivem com anos de incertezas e ainda são excluídas de espaços decisórios.

Mesmo diante da promessa de uma “repactuação” para transferir recursos e avançar no processo de reparação, as pessoas atingidas permanecem excluídas das mesas de negociação, sendo sua participação essencial para uma reparação justa e digna.
O princípio da centralidade do sofrimento das vítimas, fundamental em processos de
reparação de desastres, clama por uma abordagem que priorize a dignidade e as necessidades
psicossociais das vítimas, colocando-as no centro das decisões.

No entanto, no caso de Fundão, as corporações e instâncias legais ainda dominam o cenário, silenciando as vozes das próprias comunidades atingidas.
Nove anos depois, as demandas dessas pessoas permanecem urgentes e crescentes, enquanto
a promessa de uma reparação integral segue distante.

A luta por justiça e pela garantia dos direitos das comunidades impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão continua, e essas pessoas ainda aguardam um compromisso efetivo para que possam, finalmente, reconstruir suas vidas com dignidade e segurança:

“O que temos observado, como ATI, é que com o passar do tempo o cenário de
violações de direitos vem se agravando. A partir dos descumprimentos de leis e das
diretrizes e normativas que foram construídas a partir de muita luta das pessoas
atingidas de Mariana, vemos a criação de novos danos e de aprofundamento dos já
existentes”, sustenta Marisa Versiani, coordenadora operacional da Cáritas MG | ATI Mariana

Caso emblemático do impacto econômico e social para as famílias atingidas


Um exemplo emblemático da falta de reparação adequada é o caso de uma família de Mariana
que utilizava três terrenos para a criação de animais de grande porte e para diversas culturas
produtivas.

Antes do rompimento, a principal fonte de renda da família era a produção de
leite, com um rebanho de 60 vacas e uma produção média de 1.000 litros de leite por dia.


Hoje, no entanto, o rebanho foi reduzido a apenas 13 animais, e a produção diária de leite
caiu drasticamente para 100 litros, prejudicando de forma significativa a renda e a qualidade
de vida do núcleo familiar.
Para cobrir as despesas e dívidas adquiridas após a perda da principal fonte de renda, a
família foi obrigada a vender grande parte do rebanho.

Além disso, nove anos após o rompimento, a família ainda reside em uma propriedade alugada e não conseguiu retomar seu modo de vida ou recuperar plenamente as atividades produtivas nos terrenos de origem.

Até o momento, a indenização não foi paga, e o processo permanece judicializado, evidenciando o longo caminho que as pessoas atingidas ainda enfrentam para que uma reparação justa seja realizada.


Acordo de repactuação é assinado sem participação das pessoas atingidas


No dia 25 de outubro de 2024, o Governo Federal, governos de Minas Gerais e do Espírito
Santo, representantes das mineradoras Samarco, Vale e BHP, assim como o presidente do
Supremo Tribunal Federal, entre outros atores, participaram da assinatura da repactuação do
acordo feito em 2016 para reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de
Fundão.
“Ninguém respeitou a gente, ninguém ouviu a gente. E agora vem uma lei do alto lá e
acaba com tudo. É muita falta de respeito de não terem pelo menos vindo até nós e
explicar o que está acontecendo”, destaca Luzia Queiroz, representante da comunidade de Paracatu de Baixo na Comissão de Atingidas e Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF).


Os termos definidos para a repactuação já vinham sendo negociados há quase dois anos, sem
ouvir as pessoas atingidas.

Da mesma forma, a assinatura do acordo revela o modo como o processo foi conduzido: de portas fechadas, sem a participação efetiva das comunidades atingidas em sua construção.

É importante salientar que uma reparação justa é aquela que está alinhada com as necessidades, desejos e perspectivas dos maiores interessados na garantia de seus direitos, com a devida responsabilização das mineradoras e com ferramentas de controle social.


Programação do marco de 9 anos em Mariana:


04 de novembro de 2024
● Abertura da exposição “Como contar o tempo que não volta?”, com fotografias das
comunidades atingidas. Local: Instituto de Ciências Humanas e Sociais – ICHS/UFOP
(Mariana). Horário: 18h às 22h
05 de novembro de 2024
● Ato em memória das pessoas que morreram em decorrência do rompimento da
barragem de Fundão e em atenção à não repetição dos danos diante do Projeto a
Longo Prazo. Local: Bento Rodrigues (Origem). Horário: 9h
● Caminhada em Mariana (MAB)
Concentração no Centro de Convenções Alphonsus de Guimarães.
Local: Av. Getúlio Vargas, 110 (Mariana). Horário: 14h30
● Intervenção e Projeção visual (Cáritas MG, Conterra e Minuto de Sirene). Local:
Praça Minas Gerais (Mariana). Horário: 16h
06 de novembro de 2024
● Distribuição de mudas. Local: Escola Família Agrícola Paulo Freire (Acaiaca).
Horário: 7h
11 de novembro
● Encerramento da exposição “Como contar o tempo que não volta?”. Local: Instituto
de Ciências Humanas e Sociais – ICHS/UFOP (Mariana). Horário: 18h

Fonte: Cáritas Mariana

Foto: Guilherme Dardanhan/AlMG/Fábio Fernandes (ColetivoÉ)/CBBMG/Tãnia Rêgo/Abr

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