Adeus a Rubem Fonseca: uma obra que uniu a violência e o humano

Rubem Fonseca não parou de produzir. Sua última obra é de 2018, quando ele completou 93 anos
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Autor de obras-primas, como “Feliz Ano Velho”, morreu a menos de um mês de completar 95 anos

Rede Brasil Atual – Rubem Fonseca pode ser o escritor com o maior número de não-entrevistas que se conhece. Quem procurar nas redes, encontrará diálogos inventados por criadores ávidos pelas palavras reais de um dos principais escritores brasileiros, que morreu nesta quarta-feira (15), aos 94 anos – estava a menos de um mês de completar 95. Nascido José, seu primeiro nome, e em Juiz de Fora (MG), estabeleceu-se no Rio de Janeiro, gostava de caminhar no Leblon, onde morava, torcia pelo Vasco e assinou obras importantes da nossa literatura.

A começar por Feliz Ano Novo, sua obra mais conhecida, lançada em 1975 e censurada no ano seguinte pelo ministro da Justiça Armando Falcão, que ficou na história por uma frase (“Nada a declarar”). A alegação: atentado à moral e aos bons costumes. Advogado, comissário de polícia, Rubem havia lançado seu primeiro livro, Os Prisioneiros, em 1963. Tornou-se definitivamente conhecido com Lucia McCarney, em 1968.

É um livro de contos, assim como Feliz Ano Novo. Em um deles, Intestino Grosso, um escritor aceita dar uma entrevista, desde que seja pago por palavra. O editor aceita. O repórter pergunta se o escritor é pornográfico. “Sou, os meus livros estão cheios de miseráveis sem dentes”, responde o Autor, como é apresentado.

Quando o livro foi censurado, um senador chegou a chamá-lo de pornográfico. Um juiz considerou que a obra incitava à violência. O escritor entrou na Justiça, mas o livro só foi liberado em meados dos anos 1980, nas ondas da “abertura” política.

A violência está sempre presente na obra de Rubem Fonseca. E os conflitos de classe, expressados, por exemplo, no conto O Outro. Ou a violência policial, como em A Coleira do Cão, de 1965.

Contos e golpes

Rubem sofreu um infarto perto da hora do almoço, em seu apartamento no Leblon, elegante bairro da zona sul carioca por onde gostava de caminhar e às vezes dizia ser outra pessoa se alguém o reconhecesse na rua. Bia Corrêa do Lago, sua filha, chegou a levá-lo ao hospital, mas ele não resistiu.

Rubem Fonseca nunca parou de produzir. O livro mais recente foi lançado em 2018, Carne Crua. Foi-se o autor de O Caso Morel (1973), A Grande Arte (1983) – que ganhou versão cinematográfica em 1991, em filme dirigido por Walter Salles –, Bufo & Spallanzani (1985) e Agosto (1990), que virou série televisiva, sobre o período do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954.

Controverso também é seu posicionamento em relação à ditadura. Fonseca foi apontado como integrante do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), entidade de sustentação ideológica do golpe de 1964. No “aniversário” de 30 anos de golpe, o autor escreveu um artigo para o jornal Folha de S. Paulo no qual fala de sua participação como diretor do instituto, na área de estudos e divulgação de projetos.

Segundo ele, havia duas tendências internas, uma a favor das chamadas reforma de base e outra favorável à derrubada de João Goulart. Fonseca fala sobre sua decisão em 1964:

“A eclosão do movimento militar solucionou, no que me concernia, a controvérsia existente entre as duas tendências dentro do Instituto. Eu afastei-me completamente do Ipes e nunca me aproximei do novo governo, nem daqueles que o sucederam. Não era, como homem de empresa, nem sou agora, como escritor, favorável à ruptura da ordem constitucional em nosso país através de revoluções ou golpes de Estado, militares ou civis.”

A fama de recluso diminuiu com a divulgação de vídeos, nos últimos anos, em redes sociais. Em um deles, o autor afirma que “ler nos torna melhores, permite que a gente entenda melhor o outro e a nós mesmos”.

No conto Intestino Grosso, o Autor diz que nenhum escritor aprecia de fato o ofício: “Eu gosto de amar e de beber vinho: na minha idade eu não deveria perder tempo com outras coisas, mas não consigo parar de escrever. É uma doença”.

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