Na luta pela humanização do cumprimento das penas privativas de liberdade, a cidade de Itabirito inaugurou nesta segunda-feira, 24 de junho, uma Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac). O Centro de Reintegração Social (CRS) de Itabirito terá o nome de Mário Ottoboni, em homenagem ao idealizador da metodologia apaquiana.
A nova Apac é uma ação conjunta dos poderes Executivos e Judiciários, por meio do programa novos rumos, da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados, da Agência de Desenvolvimento Econômico Social de Itabirito, da Prefeitura Municipal de Itabirito, da Câmara Municipal de Itabirito, do setor privado local e da participação de apoiadores e da comunidade.
A paróquia de São Sebastião também é uma incentivadora desse espaço. Segundo o pároco da Paróquia de São Sebastião e coordenador arquidiocesano de Pastoral, padre Edmar José da Silva, a Pastoral Carcerária e outros voluntários da paróquia colaboraram com a obra e acompanham toda a história. “Vou continuar continuar motivando as pessoas da paróquia a participarem deste projeto”, disse.
Durante a solenidade de inauguração, padre Edmar afirmou que para um trabalho como esse é preciso ter fé em Deus, mas, também, ter uma fé antropológica, uma fé no ser humano. “Essa fé no ser humano precisa ser em dois aspectos. O primeiro, sabemos que não existe ser humano que seja mais pessoa ou menos pessoa. Todo ser humano é pessoa e toda pessoa é ser de valor e de dignidade. Nada rouba a dignidade do ser humano, o valor do ser humano. Nem a questão racial, nem a questão religiosa e muito menos a questão moral. Essa fé antropológica é que fundamenta, eu acredito, o trabalho da APAC. Acreditar que todo ser humano tem valor. Todo ser humano é pessoa, ser de dignidade. Ninguém rouba essa dignidade do ser humano, pelo contrário, uma obra como essa reconhece a dignidade que todos os seres humanos possuem, inclusive os que estão pagando as suas penas. A segunda fé antropológica é que nós acreditamos que o ser humano é o único ser que faz, desfaz, mas consegue refazer. Porque nós somos seres abertos, com várias potencialidades. É acreditando nessas capacidades de refazer a vida é que existe essa obra. Todo ser humano tem direito de ter uma segunda chance. Para isso tem que ter uma estrutura que o ajude depois do processo feito, reconstruir a sua vida, refazer a sua história”, ressaltou padre Edmar.
A presidente da Apac de Itabirito, Maria Aparecida Ribeiro Hudson, contou que essa é uma história de luta. “Em 2011, nós assumimos a presidência e começamos a correr atrás. Não tínhamos o terreno, mas conseguimos uma doação da prefeitura. Fizemos panfletagem na cidade e colhemos mais de 5 mil assinaturas de apoio. Viemos na comunidade do Marzagão e trabalhamos com as famílias. Temos uma longa história de luta. Os voluntários sempre presentes, participando de cursos. Estamos o tempo todo trabalhando para que a nossa APAC seja realidade e possa funcionar”, afirmou.
Maria Aparecida pontuou que agora será feita a parceria com o Estado, para que o espaço possa receber as verbas de custeio e assim acolher os recuperandos, para dar inícios aos trabalhos.
Na solenidade, o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Nelson Missias de Morais, enfatizou que é de extrema importância o envolvimento da sociedade e da família do recuperando. “Precisamos de mais amor entre as pessoas, mais humanidade. De nada adianta encarcerar quem cometeu um delito e não recuperar essa pessoa”, disse o desembargador.
O presidente destacou que “a metodologia Apac de cumprimento da pena de forma humanizada é absolutamente eficaz”. Segundo ele “enquanto no sistema convencional 75% a 85% dos detentos voltam a cometer crimes, na Apac esse percentual não chega a 15% de delitos não violentos”. Nelson acrescentou que “que o recuperando custa cerca de 1/3 para o estado, se comparado ao sistema convencional. E o recuperando sai da Apac com uma profissão, para poder levar uma vida mais digna, sem sobressaltos”, disse o desembargador.
Para a voluntária e secretária da APAC Itabirito, Maria Elizabeth Justiniano, esse foi um dia muito feliz. “Essa é uma batalha de anos. Essa é uma luta muito grande. Precisamos acreditar no ser humano. O ser humano é maior do que o seu erro. Precisamos acreditar nas pessoas e é por isso que estamos aqui. Acreditamos que uma pessoa que cometeu um crime, um delito, tem a capacidade de voltar para a sociedade e ser uma pessoa do bem. Temos muitas famílias voluntárias que acreditam na APAC, que acreditam neste processo de fazer com o que o ser humano deixe o delito para trás e que ele volte a ser uma boa pessoa”, disse.
A solenidade de inauguração foi abrilhantada pelo coral Ungidos do Senhor, formada por recuperandos do regime fechado da Apac de Conselheiro Lafaiete e também contou com a presença de autoridades, pessoas da comunidade e voluntários que ajudaram a construir a nova unidade. Após a solenidade de inauguração, os convidados conheceram as dependências da unidade.
Apac de Itabirito
A Apac de Itabirito é dedicada ao público masculino e terá capacidade para 84 recuperandos – 40 para o regime fechado, 28 para o semiaberto e 16 para o aberto. O semiaberto terá espaços destinados para oficina, sala de aula, padaria, biblioteca e horta, com disponibilidade física para a criação de outras estruturas. Já o fechado terá espaços para laborterapia e sala de aula.
A Apac possui ainda áreas destinadas à estrutura administrativa, com farmácia, setor jurídico, setor financeiro e espaços para atendimento à família e atendimento técnico. O consultório médico e o odontológico são comuns aos três regimes.
O CRS Mário Ottoboni está localizado na zona rural do município. Foi construído em um terreno de quase 4,5 m², com uma área coberta total de cerca de 1,8 m².
O que são as Apacs
As Apacs são uma alternativa ao sistema prisional comum. Consistem em uma metodologia que aposta na recuperação do ser humano que cometeu um crime, tendo como base de seu trabalho a humanização do cumprimento das penas privativas de liberdade. Doze elementos sustentam o método, entre eles a participação da comunidade, o trabalho, a assistência jurídica, a valorização humana, a família, a assistência à saúde e o voluntariado.
Nas Apacs, as pessoas privadas de liberdade são chamadas de recuperandos. Não há vigilância armada nem a presença de policiais – a lógica é que recuperandos cuidem de recuperandos. Os CRS não são compostos de grandes complexos e pavilhões com milhares de presos. A capacidade média deles de 200 pessoas, que são submetidas a tratamento humanizado, mas a uma rígida disciplina, com horários determinados para acordar e se recolher. Ali, todos devem trabalhar, estudar e participar de cursos de capacitação.