Bia Haddad Maia faz história para o tênis brasileiro em Roland Garros

Ao alcançar as quartas de final, a tenista chegou ao melhor resultado em simples de uma brasileira em Grand Slams

Bia Haddad Maia faz história para o tênis brasileiro em Roland Garros
A atleta superou quatro contusões graves e uma suspensão por doping - causada por ingestão de um suplemento contaminado - para alcançar um feito inédito na era aberta do esporte - JULIEN DE ROSA / AFP
Publicidade _

A tenista brasileira Beatriz Haddad Maia fez história hoje. Ela foi a primeira brasileira na era aberta do tênis a chegar nas semifinais do torneio de Roland Garros. O resultado só havia sido alcançado antes por uma atleta brasileira na era amadora do esporte, pelas raquetes da multicampeã Maria Esther Bueno, uma das maiores tenistas da história. Antes de Bia, o recorde era de Patrícia Medrado, que chegou às oitavas da competição em 1979.

Com o resultado do jogo – derrota por 2 sets a 0 para a número 1 do mundo, a polonesa Iga Swiatek – Bia ser a 10ª ou a 11ª colocada no ranking mundial, a depender do resultado da final.

Bia apareceu no cenário do tênis brasileiro como promessa ainda muito jovem. Alta e forte, tem um biotipo talhado para o esporte. Sofreu, no entanto, com adversidades constantes. Entre 2013 e 2020, ela teve quatro contusões graves, que atrapalharam sua evolução. Além disso, foi suspensa preventivamente por doping em julho de 2019, o que a retirou das quadras por todo o restante do ano. Em fevereiro de 2020, a International Tennis Association (ITF) reconheceu que ela ingeriu um suplemento alimentar contaminado e estabeleceu a punição mínima para esse tipo de ocorrência: 10 meses.

Mas, como ela mesma disse em entrevista após sua vitória nas quartas de final sobre a 7ª tenista do mundo, a tunisiana Ons Jabeur, nenhuma de suas conquistas veio de maneira explosiva. “Eu sempre fui lutadora. Há infinitas razões para pensar nas coisas difíceis, na minha vida foi assim tb. Eu sempre que enfrentei um momento difícil, pensei, estou passando por isso por algum motivo. É racional para mim. Baixar a cabeça nunca é uma opção”, disse.

Buscas explodem

Apesar de estar em excelente fase há quase um ano – Bia venceu dois torneios WTA 500 disputados na grama em 2022 – o interesse pela jogadora explodiu quando ela garantiu uma vaga nas quartas de final de Roland Garros. Aliás, o torneio é o mais importante para o tênis brasileiro. Depois dos resultados de Maria Esther Bueno nos anos 60, foi lá que Gustavo Kuerten marcou seu nome na história do esporte, ao ser tricampeão nos anos de 1997, 2000 e 2001. O torneio faz parte dos Grand Slams, categoria mais nobre de torneios do tênis, que distribuem os maiores prêmios e as pontuações mais altas.

Além de perguntas sobre o horário da semifinal contra Iga Swiatek, as buscas do Google registram dois assuntos principais: um possível parentesco com o ministro da Economia Fernando Haddad – inexistente – e seu real parentesco com o ator, compositor, cantor e apresentador Rolando Boldrin, que morreu em novembro do anos passado. Bia é sobrinha de Boldrim e chegou a dedicar uma vitória ao tio, quando ele ainda enfrentava problemas de saúde.

Latinoamericana, com orgulho

Bia construiu, ao longo da carreira, uma consciência sólida do que é ser uma tenista da América Latina em um esporte dominado por europeus e estadunidenses. Na mesma coletiva depois do jogo contra Ons Jabeur, a atleta lembrou das dificuldades do tênis no continente. “Tenho consciência da história que faço para o tênis feminino brasileiro. E por sermos sul-americanos é bem mais difícil”, afirmou.

Em entrevista concedida à revista Vogue em 2022, ela foi mais contundente. “A gente (sul-americana) sim é muito forte, muito criativa, muito estudiosa. A gente estuda a história do mundo inteiro. Quem colonizou quem, a gente sabe de tudo. Muitas vezes, a gente coloca esses atletas de fora em um pedestal, e isso não existe. Às vezes você conversa com um americano ou europeu e eles nem sabem apontar o Brasil no mapa”, afirmou à época.

“Muitas meninas que tem um ranking próximo ao meu têm uma série de privilégios, como receber convites para jogar chave principal por serem de países ricos. Ano passado eu fiquei cinco meses com a mochila nas costas, viajando sem parar, sem voltar pra casa, só eu e meu treinador, correndo atrás do meu sonho. Uma mulher sul-americana que tem a coragem de enfrentar todos esses desafios é uma mulher muito forte. Não falo por mim, falo por todas”, continuou.

Bia nasceu em uma família de classe média alta na cidade de São Paulo e tem noção do tamanho do privilégio que isso significa no Brasil. “Eu me sinto privilegiada pela família em que nasci, mas eu trabalho muito duro para chegar longe”, disse.

Desde pequena acompanha a avó às quadras de clube. Sempre que pode, a tenista cita com carinho sua relação com a avó, com quem bate bola sempre que pode. Após a vitória nas quartas de final, ela escreveu na lente da câmera da quadra “para os vovôs”.

Bia, como grande parte dos atletas, nunca declarou suas opções político-partidárias. Mas demonstra percepção dos problemas sociais brasileiros. Em 2021, quando buscava escalar novamente no ranking após a suspensão dor doping, venceu um torneio de menor porte na Argentina e emocionou-se ao dedicar o título às vítimas da covid-19 no Brasil. 

“Foi um jogo muito duro e eu gostaria muito de dedicar o título a todas as pessoas do Brasil, onde estão morrendo quase 4.000 pessoas por dia [vítimas da Covid-19]. Houve gente da minha família que morreu esta semana, e às vezes tiramos força e trabalhamos duro”, disse a tenista.

Próximos passos

Após Roland Garros, Bia segue para os torneios na grama, que acontecem entre junho e julho e culminam com Wimbledon, o terceiro Grand Slam do ano. Em 2022, ela teve resultados expressivos na superfície. Além dos títulos dos WTAs de Nottigham e Birmingham, chegou à semifinal do torneio de Eastbourne. As expectativas são animadoras. Mas quaisquer que sejam os resultados dela a partir de agora, seu nome já está gravado no esporte nacional.

Publicidade