Comunidade de Antônio Pereira exige assessoria para viabilizar seus direitos

Antônio Pereira é considerado um distrito rico, mas o progresso econômico não trouxe nenhum desenvolvimento social, disse Padre Marcelo Santiago, durante a audiência.

Segundo moradores de distrito de Ouro Preto, a Vale se apossou da região e não dialoga com a comunidade atingida. Caravana foi revistada pela Polícia Militar, o que atrasou início da audiência na ALMG.
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“A Justiça age a mando da Vale e o governo permite que a mineradora faça o que quiser com a população no entorno de suas barragens”. Com esta frase, o professor Daniel Neri resumiu a sensação dos moradores do distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto, que participaram de audiência da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (13).
De acordo com o professor, que atua no campus Ouro Preto do Instituto Federal de Minas Gerais e é membro da Frente Mineira de Luta dos Atingidos e Atingidas pela Mineração (Flama), o distrito está sendo vítima de expropriação com base no “terrorismo de barragens”.

“Usufruindo do pânico provocado pela tragédia em Brumadinho, eles instauraram um processo de manipulação dos níveis de risco de suas barragens, provocando terror entre a população. Alteram à vontade os níveis de risco, para obrigar as pessoas a saírem de suas casas. A Vale tem feito isso em todos os territórios; decide do dia para a noite que não vai mais pagar valor de aluguel e a Justiça acata, como se ela fosse dona do Estado”, denunciou.

Obstrução

Presidente do Instituto Guaicuy, selecionado para prestar o serviço de assessoria técnica independente (ATI) ao distrito, José Castro Procópio endossou esse posicionamento, ao explicar que o instituto já deveria estar na região, atuando oficialmente junto à população desde 2021, mas que a Vale impede que os recursos destinados a essa tarefa cheguem à entidade.

“Tivemos a apresentação do plano de trabalho concluído e esperávamos já estar atuando, mas a política é de atraso, modificação de escopo, impedimento de entrar no território. E precisamos atuar oficialmente, para entender e assessorar os moradores. Surgiram cinco manchas de inundação em um ano e meio e os direitos dos moradores tem sido constantemente violados”, afirmou.

Segundo ele, alguns dos direitos violados são os relacionados à saúde, ao meio ambiente, à informação e à liberdade de ir e vir. “O ar está poluído, surgem doenças respiratórias. Há ausência de respostas para a comunidade, de informações sobre mudanças na mancha de inundação. Moradores não sabem se vão sair, se a Vale vai tomar tudo, se vão ser expulsos. E, ainda por cima, hoje esta audiência demorou a começar porque o ônibus com os moradores foi parado pela Polícia Militar e revistado. Estamos atendendo a comunidade de forma voluntária e emergencial porque a situação é urgente, mas não temos recursos para contratação de pessoas e para um trabalho estruturado”, reforçou.

As ATIs são escolhidas pelas próprias comunidades atingidas pela mineração para viabilizar o acesso aos seus direitos e a reparação integral dos danos causados. Esse serviço, uma demanda de movimentos sociais abarcada pela legislação ambiental após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana, deve ser pago pelas mineradoras.

Karine Carneiro, coordenadora e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais da Universidade Federal de Ouro Preto, disse que grupo de estudos indicado pela Justiça para execução de trabalhos no distrito, está sendo impedido de atuar.

Karine Carneiro, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), informou que o grupo de estudos, indicado pela Justiça para execução do plano integral de restauração do distrito, também tem sido impedido de atuar na região.

“Realizamos três versões do plano de trabalho, elaborado com base em luta histórica dos territórios impactados pela mineração. O afastamento da Vale deste território já deveria ter ocorrido. A causadora dos danos não tem como participar do processo de reconstrução. É como dar cloroquina para pacientes na expectativa de curar a Covid-19”, comparou.

De acordo com ela, um estudo de diagnóstico é imprescindível e a assessoria técnica independente, fundamental, pois, para reparar os danos, é preciso compreender a sua extensão. “A população precisa participar de maneira livre e informada de todas as etapas do processo. Todos os moradores do distrito são atingidos pela barragem, não só os moradores próximos da zona de alto risco de morte. O que está acontecendo é a destruição do que é o laço comunitário, uma morte não necessariamente física: a população é atingida em várias dimensões, todos estão em constante estado de desastre”, ressaltou.

Criminalização

Padre Marcelo Santiago denunciou os prejuízos sociais no distrito e questionou a ação da Polícia Militar ao revistar ônibus de participantes da audiência promovida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais: “A quem a PM está servindo?”, indagou.

Integrante da Comissão para o Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana, o Padre Marcelo Santiago manifestou revolta quanto à postura de criminalização de qualquer atitude de mobilização da população contra a Vale. “Nosso distrito se tornou um canteiro de obras, com enormes prejuízos sociais. A quem a Polícia Militar acha que está servindo quando para um ônibus com moradores para revistar? Esse clima de criminalização aos que buscam se organizar para defender seus direitos é constante. Antônio Pereira é considerado um distrito rico, mas o progresso econômico não trouxe nenhum desenvolvimento social”, afirmou.

Secretário municipal de Defesa Social, Juscelino Gonçalves disse que a Polícia Militar informou à Prefeitura ter recebido uma denúncia de que haveria uma manifestação na rodovia e que por isso foi feita a revista dos moradores que se dirigiam à audiência.

Para o deputado federal Padre João (PT-MG), cabe então esclarecimentos à sociedade por parte da PM, como quem teria feito essa denúncia.

Também a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a audiência, criticou a Vale por dificultar o trabalho da assessoria técnica no local, que ela classificou como um instrumento importantíssimo para que os moradores do distrito sejam atendidos de forma isenta em relação ao poder político e econômico da mineradora. “Mas a Vale segue negando esse direito, uma previsão legal contida na Política Estadual dos Atingidos por Barragens”, advertiu.

Concordando com os participantes que o antecederam, o representante do Ministério Público, promotor Marcelo Mata Machado, disse que a prática de criminalização de lideranças e fragmentação da comunidade são muito comuns por parte das mineradoras.

O promotor ainda garantiu que o MP fará uma nova visita ao território e concordou com uma proposta de reunião entre o procurador-geral de Justiça e uma comitiva de parlamentares estaduais e federais.

Manipulação

Ana Carla Cota, geóloga e moradora do distrito, denunciou a manipulação de dados técnicos por parte da mineradora, tendo em vista que os mapas com manchas de inundação apresentariam erros técnicos primários.

“Não existe transparência. Os erros qualquer pessoa leiga vê, os critérios técnicos mudam do nada, sem qualquer diálogo. Eu defendo que o crime de Brumadinho foi premeditado, que a Vale sabia. Que segurança essa comunidade tem para confiar nos dados repassados? Esses dados não foram validados em campo, eles acham que a comunidade é idiota. Uma assessoria técnica imparcial é urgente”, pediu.

Diante de todos os relatos, a deputada Beatriz Cerqueira observou que é papel do Legislativo mineiro apoiar os moradores na luta contra a mineradora. “Eles lutam pelo direito de viver em paz, contra uma empresa de grande poder econômico, e não podem ficar sozinhos”, salientou.

  • ALMG
    Fotos: Ricardo Barbosa/Almg
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