Diego dos milagres

No aniversário dos 35 anos do maior gol da história das Copas, contamos em crônica a tarde de milagres de Maradona

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Milagre – substantivo masculino – ato fora do comum, inexplicável pelas leis naturais, acontecimento formidável, estupendo. Essa é a definição de uma palavra tão corriqueira em nosso dia. A maior, talvez a totalidade das pessoas, acreditam em algo ou alguém. Até o ato de não acreditar é uma crença. Em religiões monoteístas, temos um Deus, nas politeístas, vários Deuses, e na Argentina, um Diego, o Maradona.

Há 35 anos numa tarde com ‘sol do meio-dia’ na Ciudad de México, um baixinho de 1,65 m renasceu para se converter em Deus. Esse dia para a Igreja Maradoniana é a chamada Páscoa, semelhante a Páscoa cristã. Diferente da que está escrita na Bíblia do Cristianismo, Diego Armando Maradona não estava em um morro sepultado depois da crucificação. Ele estava mais próximo, em um campo de futebol com 110 mil pessoas na arquibancada do Estádio Azteca.

O milagre foi diante da Inglaterra pelas quartas de final da Copa do Mundo de 1986. Foi nesse Mundial que Maradona realizou seus dois sonhos, jogar uma Copa e sair campeão. Predestinado, fez a maior atuação individual de um jogador de futebol nessa competição que se passa a cada quatro anos. Mais que gols, fez partidas impecáveis na fase de grupos contra Coreia do Sul, Itália e Bulgária. Na fase seguinte, ajudou a eliminar o Uruguai.

O relato contato a seguir pelo jornalista uruguaio que passou a vida na Argentina Victor Hugo Morales foi com muita maestria e marcou para sempre os Mundiais (confira o vídeo).

Se Jesus andou sobre as águas, Diego converteu ingleses em estátuas de cimento ao desfilar sobre o gramado. Dominou a bola ainda no campo defensivo, driblou toda a Inglaterra, a rainha e fuzilou de canhota. Esse foi o 2 a 0. O ato fora do comum já tinha sido repetido pelo Pibe de Oro (um dos tantos apelidos de Maradona) cinco minutos antes. Ora, o jogo estava 2 a 0.

O primeiro milagre naquela tarde começou no pé canhoto do 10 e terminou no seu punho esquerdo. Maradona saiu pela esquerda e tentou tabelar. A bola ficou dividida na entrada da área e subiu graças a um corte errado dos ingleses. Pelo alto, o goleiro Peter Shilton, de 1,85 m, parecia tranquilo para dividir com alguém com 20 centímetros a menos. El que no salta es un inglés (o que não salta é um inglês). No maior pulo de Maradona, se vingando da Guerra das Malvinas perdida pela Argentina anos antes, ele fez o gol de la mano de Dios. Era o 1 a 0.

Em cinco minutos, Diego Maradona contou a sua vida. Do gol ‘roubado’, contraditório, desvirtuoso ao tento do talento, do drible e da ousadia. Para muitos, aquele Argentina 2-1 Inglaterra foi o maior jogo da história das Copas do Mundo. E hoje completa 35 anos.

Esses foram dois milagres do menino nascido em Fiorito, bairro pobre de Buenos Aires. Depois da conquista da Copa, ele levou alegria ao esquecido sul da Itália com o Napoli. Sem nunca estar ligado aos números, deixou uma das mais emocionantes mensagens ao largar os gramados como jogador. A frase foi dita em 2001 para uma Bombonera lotada para sua partida homenagem. “O futebol é o esporte mais lindo e mais saudável do mundo, isso não é dúvida para ninguém. Eu me equivoquei e paguei, mas la pelota no se mancha”.

Anos mais tarde, seguiu seus milagres como salvar a vida de uma jovem numa clínica de reabilitação e salvar o Gimnasia y Esgrima afundado na tabela de promedios do rebaixamento. Como despedida, foi homenageado por onde passou em seu último ano de vida sendo treinador do clube de La Plata. O ato final com torcedores antes da pandemia de covid-19 foi na Bombonera assim como sua homenagem lá em 2001. Em 25 novembro de 2020, ele nos deixou. É a primeira Páscoa Maradoniana sem Dios de corpo presente. No entanto, ele vive em cada um que ama o futebol.

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