Entre os dias 2 a 11 de dezembro será possível conferir, gratuitamente, no Cine Brasília, a exibição de mostras de filmes, masterclasses, apresentações culturais e rodas de conversa com personalidades que se destacaram no audiovisual. Este é o 1º Festival de Cinema e Cultura Indígena do Brasil.
O evento evidencia a produção audiovisual de cineastas, coletivos e realizadores de origem indígena, impulsionando, enriquecendo e propagando as variadas culturas e cinemas dos mais de 305 povos indígenas do país.
Uma das curadoras do Festival é Olinda Tupinambá, que dentre outras curadorias, já participou do Cine Kurumin, Mostra Paraguaçu de Cinema Indígena e Mostra Amotara, que também foi produtora. Olinda exprime satisfação em fazer parte da curadoria, pois acredita que é uma oportunidade de conhecer novos diretores, suas estéticas e comunidades.
“É muito importante ver indígenas se apropriando da ferramenta do cinema para visibilizar nossas lutas e trazer o olhar único de cada povo. Também é sempre muito legal discutir esses filmes com as curadoras, partilhar nossas experiências e analisar a importância dos diversos temas apresentados”, diz.
O Festival é composto por Mostra Competitiva, Mostra online, Mostra Paralela e uma Mostra de Convidados. Os 10 filmes selecionados para a mostra competitiva são: “Ãjãí: o jogo de cabeça dos Myky e Manoki”; “Amary Otomo Ogopitsa: O Resgate da Memória Amary”; “A Tradicional Família Brasileira Katu”; “Ga vī: a voz do barro”; “Levante Pela Terra”; “Nossos Espíritos Seguem Chegando – Nhe’ẽ kuery jogueru Teri”; “Paola”; “Somos raízes”; “Um Só Ser – O Grande Encontro” e “Xixiá – mestre dos cânticos Fulni-ô”.
Estes filmes concorrerão à Premiação Oficial do FeCCI 2022 nas categorias: Melhor Filme pelo Júri Especializado e Melhor Filme pelo Júri Popular. E, ainda, concorrerão ao Prêmio Instituto Alok nas categorias: Melhor Roteiro, Melhor Direção e Melhor Fotografia. O júri especializado é composto pelos cineastas Graciela Guarani, Edgar Kanayakõ Xakriabá e Divino Tserewahú.
Mostra Paralela
Já para a Mostra Paralela foram selecionados 20 filmes, entre eles, a obra “Amazônia a nova Minamata” de Jorge Bodanzky, que estreou como diretor de cinema na década de 70 com o filme “Iracema – uma transa amazônica”. “Fui convidado para este festival pelo Takumã KuiKuro que conheceu meu filme em uma mostra de cinema e antropologia em Belém há um mês. É a primeira vez que eu participo de um festival indígena, até porque é o primeiro, né? É importante considerar que hoje nenhuma mostra de festival brasileiro pode ser realizada sem inserir filmes com diretores indígenas. E é muito oportuno fazer um evento somente com essas produções”.
O documentário de Jorge, acompanha a saga do povo Munduruku para conter o impacto destrutivo do garimpo de ouro em seu território ancestral, enquanto revela como a doença Minamata, decorrente da contaminação por mercúrio, ameaça os habitantes de toda a Amazônia hoje.
Olinda Tupinambá pontua que é muito importante para um diretor ter seu filme em mostras e festivais. E que esse Festival, principalmente, é uma importante chance para visibilizar os diversos temas ligados aos povos indígenas para o grande público. O critério de escolha que utilizou para curadoria foi a importância do tema, levando em consideração o Estado que pertence o diretor, e a diversidade de gênero. “Minha maior preocupação foi fazer com que o maior número possível de comunidades fossem representadas através de seus diretores”, diz.
Ocupando espaços
Ela acrescenta que os povos indígenas atualmente têm ocupado diversos espaços, isso implica em gerir, produzir, executar e pensar em diversas ações para dar visibilidade a cultura e arte indígena.
“Um Festival como esse acaba sendo um projeto coletivo no sentido de trazer a diversidade de povos para trabalhar junto. Já participei de diversas curadorias, mas esse festival foi o primeiro que contou com uma curadoria totalmente indígena com nomes como Julie Dorrico, Kujaesage Kaiabi, Priscila Tapajowara e Renata Aratykyra. A identidade visual foi feita pelo artista Aislan Pankararu. O júri é composto por indígenas e isso mostra a força do cinema que estamos criando. Por anos tivemos nossas histórias invisibilizadas”, revela.
Também um momento importante para o evento são as masterclasses, a experiência imersiva em VR do filme “Amazônia Viva” de Estevão Ciavatta, com a cacica Raquel Tupinambá, e as rodas de conversas (Talks) com diretores, cineastas e parceiros que estão aliados com a produção indígena, como Fernando Meirelles, Luiz Bolognesi, Aurélio Michiles e Vicent Carelli, além da ativista Txai Suruí, produtora-executiva do filme “O Território”, também presente no festival.
Outra atração é a exposição de uma obra de Aislan Pankararu, artista criador da identidade visual do FeCCI.
Produção mais barata
Olinda exalta a importância do Festival, mas faz questão de explicar que os diretores indígenas vêm trabalhando com documentário, pois esse estilo de filme é mais barato para produzir. “Os indígenas ainda não conseguem acessar grandes recursos para fazer filmes de ficção, o que acaba gerando certo preconceito da sociedade que acha que só fazemos documentários”, aponta.
Ela cobra ainda, acesso às políticas públicas. “Os indígenas não são contabilizados como produtores de audiovisual pela ANCINE porque muitos produtores trabalham como MEI ou com coletivos. A agência ainda não disponibiliza uma forma desses coletivos se cadastrarem. Outro ponto importante é que a maioria dos diretores indígenas não têm produtora formalizada, isso impede que possamos concorrer a editais que pagam para financiar filmes”, conclui.
A programação completa está disponível no site do Festival.
Roda de Conversa
Luiz Bolognesi é um dos cineastas parceiros que estarão nas rodas de conversa do Festival. Ele produz obras cinematográficas com temáticas indígenas. Dentre as obras que produziu, destaque para o desenho animado “Uma história de amor e fúria”, inspirado na mitologia tupinambá, “Ex-Pajé” com o povo Paiter Suruí, que retrata a violência da evangelização e o processo de perseguição de pastores evangélicos contra os pajés. No caso específico dessa obra, com protagonismo de Perpera. E por último, “A Última Floresta” que é um mergulho no modo de vida na reflexão dos xamãs yanomami. O filme foi escrito junto com Davi Kopenawa Yanomami.
Luiz diz que é fundamental ter um festival de cinema indígena porque os povos originários tem um modo de vida específico e singular. Além disso, diante da crise ambiental e econômica vivida, a sabedoria ecológica e holística que os povos originários sempre tiveram é essencial e propõe solução para vários problemas atuais.
Na roda de conversa que irá conduzir, falará sobre o que chama de “cinema de escuta”. “Não é um cinema em que chego com roteiros e ideias prontas. Também não fecho uma narrativa e saio produzindo uma realidade objetificada. Não dirijo os atores. Minha função é escutar as ações e as proposições. A dramaturgia nasce no dia a dia ouvindo o que eles desejam contar e ao exprimirem a imagem de si mesmos e os conflitos vividos”, explica Luiz.
Fases Anteriores
Antes do ápice, que é o Festival no Cine Brasília, houveram várias atividades. Dentre elas, o FeCCI Lab, um laboratório de projetos audiovisuais de quatro dias de mentoria em Brasília, com representantes da Associação Cultural de Realizadores Indígenas (ASCURI), a Mostra Xingu – a primeira mostra de filmes do Alto Xingu, na aldeia Ipatse dos Kuikuro e a construção de uma Casa de Cinema permanente na aldeia. O evento foi celebrado com festas e rituais tradicionais xinguanos.