Gandarela é reserva natural de água e não pode ser alvo de mineração, dizem especialistas

Mineração da Vale em Santa Bárbara e Caeté

Parque Nacional faz dez anos e tem riqueza ambiental destacada, sustentando mananciais para abastecer 70% da capital e seu entorno, mas está mais uma vez ameaçado pela mineração.
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Ambientalistas e pesquisadores ressaltaram, nesta segunda-feira (8/7/24), que o Parque Nacional da Serra do Gandarela precisa ser defendido de interesses minerários por ser fonte de água pura.

Além disso, por ter uma reserva hídrica subterrânea valiosa e um ecossistema em ambiente ferruginoso com características únicas no mundo.

Criado por decreto federal há dez anos, o parque está localizado entre os municípios de Nova Lima e Rio Acima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

O parque foi tema de audiência pública realizada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a pedido da deputada Bella Gonçalves (Psol).
Entre características importantes e singularidades do parque destacadas por vários convidados, está a presença das cangas do Gandarela, formações raras de ecossistemas vegetais associados a rochas ferruginosas.

Elas são indicativos da presença de minério de ferro e, por isso, os locais onde ocorrem são de interesse da mineração.

Foi destacada, ainda, que a criação do parque veio justamente para preservar a área.

Entretanto, o plano de manejo da unidade ainda não foi concluído e publicado nesses dez anos.

O parque também não conta com portaria, demanda mais servidores e não foi objeto de regulariação fundiária, com praticamente 100% das propriedades nas mãos de particulares, conforme apontado pelo chefe do parque, André Andrade.

Abastecimento de água

Segundo o geólogo Paulo César Rodrigues, cerca de 70% da água que se bebe em Belo Horizonte e seu entorno têm relação com o parque, já que esse volume vem do Rio das Velhas, cuja bacia é alimentada por reservas subterrâneas de água do Gandarela.


Fartas na Serra do Gandarela, as águas subterrâneas funcionam como reserva técnica de água.

Quando essa reserva é afetada, as nascentes dos rios ficam prejudicadas, explicou o geólogo.

Ele registrou que um dos grandes desafios para a compreensão dessa importância hídrica é que as águas subterrâneas são invisíveis.

“Vale saber que tudo o que nós seres humanos vemos de água na superfície, o que há embaixo é 40 vezes maior”, disse ele.

Também frisou que o Gandarela contribui também com a recarga da bacia do Rio Paraopeba, sendo importante para melhorar a qualidade da água do rio, contaminado pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho (RMBH).

Outra singularidade do Gandarela, acrescentou, é que a chuva não dissolve as rochas minerais que caracterizam a serra, fazendo com que a água aí armazenada permaneça com sua composição original e seja de grande qualidade.

Ambiente com características únicas no mundo


Flávio Fonseca do Carmo, da Comissão de Meio Ambiente e Biodiversidade do Conselho Regional de Biologia, acrescentou que o ecossistema ferruginoso de Minas ocupa somente 0,3% do território mineiro.

Entretanto, aí estão concentrados 14% das cavernas e quase 30% de todas as espécies de plantas existentes no Estado, além de 78% da água do Quadrilátero Ferrífero.

Ele registrou ainda que a canga presente no Gandarela tem características únicas no mundo em antiguidade e altura, com exemplares ocorrendo acima de 1,5 mil metros de altitude e há mais de 65 milhões de anos, formados quando sequer havia ainda a Floresta Amazônica.

Instituto Chico Mendes

Frederico Martins, coordenador regional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), também ressaltou que singularidades como essas mostram a importância de o parque ter sido criado, estabelecendo seu limite como área livre de mineração.

O representante do ICMBio alertou, porém, que a falta de um plano de manejo publicado prejudica a definição mais clara da área de amortecimento do parque.

A despeito dessa publicação para maior clareza, o diretor do Instituto Guaicuy e coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, considerou que já há uma área de amortecimento que deve ser respeitada.

“Ela é para ser obedecida, e nós da sociedade vamos lutar por isso”.

Zona de amortecimento é o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas.


Mais recursos e mobilização são defendidos


Doutora em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre pela UFMG, Gisela Herrmann ressaltou a riqueza natural da flora do parque, que fica entre o cerrado e a Mata Atlântica.

Segundo ela, o Brasil tem um sistema nacional de unidades de conservação que gera recursos para criação de novas áreas e melhorias nas existentes.

“Quero ver recursos direcionados para o Gandarela, porque eles existem”, cobrou ela.

A deputada Bella Gonçalves ressaltou que as falas dos convidados mostraram que não faltam à sociedade civil dados suficientes para que o Estado seja cobrado a não conceder autorizações minerárias no entorno do parque e cuide de não afetar seu potencial de recarga hídrica.

Ela foi endossada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), que criticou a gestão de Romeu Zema.

Segundo ela, o governo tem aliança estratégica com a mineração.

Além disso, estaria se valendo da contratação de consultorias privadas para fazer pareceres ambientais que caberiam a servidores efetivos dos órgãos estaduais.

A deputadas também defenderam uma mobilização social maior e crescente em defesa do Gandarela e contra iniciativas como a do Projeto Apolo, pelo qual a Vale quer minerar às margens do parque, entre as cidades de Caeté e Santa Bárbara.

Foto: Alexandre Netto/ALMG e Mundo dos Inconfidentes

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