Antes de morrer nas mãos da polícia em 1993, o famoso traficante colombiano Pablo Escobar se deu ao luxo de montar seu próprio zoológico particular. Contrabandeou, diretamente da África, elefantes, zebras, camelos, girafas, avestruzes e quatro hipopótamos, machos e fêmeas. Quando o governo colombiano sequestrou os bens de Escobar, os animais foram levados para outros zoológicos — menos os hipopótamos, por uma questão de logística.
Os quatro paquidermes, livres na região em que habitavam, fizeram o que a lei da Natureza recomenda: crescei e multiplicai-vos. Hoje, essa região da Colômbia, a cerca de 160 km da capital, abriga uma população de quase 120 hipopótamos, que vêm causando um indesejável impacto ambiental e ameaçando a segurança das pessoas.
O governo colombiano resolveu tomar uma atitude, a mais drástica e incabível aos olhos dos defensores dos animais: matar os hipopótamos. Mas foi impedido por um advogado. Luis Domingo Gómez Maldonado moveu uma ação em favor dos animais, contestando a medida extrema e sugerindo que a esterilização seria uma medida mais apropriada.
O governo concordou mas, desde logo, ficou estabelecido que a esterilização cirúrgica seria inviável. Castrar um hipopótamo não é tão simples como castrar um gato. Uma opção seria a esterilização não cirúrgica — ou por contraceptivo químico. Surgiu então uma nova disputa, desta vez sobre a escolha do contraceptivo mais apropriado. E todo o caso permaneceu pendente.
Para reforçar sua posição, Gómez Maldonado precisava do depoimento de peritos. E os dois especialistas com maior credencial para determinar o melhor contraceptivo para hipopótamos estavam em Ohio, nos EUA.
A lei dos EUA permite a pessoas estrangeiras com interesses perante a justiça do país buscar ajuda de tribunais federais par obter documentos e testemunhos, com o objetivo de sustentar seus casos no país estrangeiro.
Foi aí que entrou na história a entidade Animal Legal Defense (ALD), dos EUA. A ALD, representando os hipopótamos, fez um pedido a um tribunal federal em Ohio para compelir os dois especialistas, que estudam a esterilização não cirúrgica de animais, a testemunhar em favor dos hipopótamos.
A questão a ser decidida, então, passou a ser se os hipopótamos têm legitimidade para mover uma ação na justiça, a fim de compelir os especialistas em fauna selvagem a testemunhar. O juiz federal decidiu que, sim, os animais têm legitimidade para propor ações, porque são pessoas.
Foi a primeira decisão desse tipo na história dos EUA. A decisão reconhece o direito dos hipopótamos de obter informações e testemunhos nos Estados Unidos e “isso é um marco fundamental na luta mais ampla para se reconhecer que os animais em geral podem executar seus direitos”, disse o diretor-executivo da ALD, Stephen Wells, ao HuffPost, à Newsweek e ao site Gizmodo.
“Os animais têm direitos como, por exemplo, de não sofrer tratamento cruel e à vida, mas qualquer direito legal só tem valor se for executável. Até agora, não havia precedente que garantisse aos animais legitimidade para mover uma ação”, disse às publicações o advogado Christopher Berry, diretor administrativo da ALD. Agora há.
- Publicado originalmente por João Ozorio de Melo, correspondente da revista Consultor Jurídico, nos EUA.
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