Mesmo que chova, Itabiranos continuarão sofrendo com a falta de água

Não deveria ser assim. Medidas anunciadas agora como "em estágio de Licenciamento Ambiental" deveriam estar concluídas faz tempo.

Durante mais de 2 décadas, sucessivas autoridades municipais substituíram vontade popular por trocas e Itabira ficou sem água.
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O Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itabira (Saee) informou que o abastecimento de água em Itabira teve considerável melhora nesta manhã de segunda-feira (13), sendo restabelecido na maior parte da cidade.
Pontua a autarquia que ainda existem problemas pontuais em bairros na parte mais alta do município onde seus técnicos estão mobilizados para solucionar os problemas e diminuir, em consequência, o drama dos moradores atingidos pela falta de água, exatamente em uma semana cujos dias alcançaram temperaturas superiores a 34 graus centígrados.
Desde meados da última semana, equipes do Saae trabalham em larga escala para atacar a intermitência do abastecimento nos bairros afetados.
Solução: Vale
Durante todo o fim de semana, caminhões da mineradora Vale despejaram o recurso na Estação de Tratamento de Água (ETA) Gatos, além da realização de manobras para atender às localidades mais prejudicadas.
O Saae ressaltou a importância do uso consciente da água em um momento crítico de estiagem, que tem demandando atenção em todo Brasil.
Projeto do rio Tanque

Secretários do governo municipal, representantes do Saae e das empresas Vale e da Aecom do Brasil, provedora de serviços ambientais visitaram o local onde será executado o projeto, em junho deste ano, definiram o ponto de captação e enviaram o projeto para licenciamento ambiental.
Assim, um dos projetos mais importantes para o futuro de Itabira, a implantação da Estação de Tratamento de Água (ETA) do Rio Tanque está em momento decisivo para a concepção do empreendimento.
O prazo para início da obra é algo que o município ainda discute com as outras partes envolvidas no processo. O cronograma inicialmente projetado, tem previsão de início das obras para 2024 e a captação em 2026. O projeto para a construção da ETA foi acordado entre o município, Ministério Publico e Vale em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para compensação por impactos ambientais provocados pela atividade mineradora em Itabira. A captação do rio Tanque prevê a disponibilidade de 600 litros de água por segundo.

Não deveria ser assim

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No final dos anos 90, durante a discussão de uma Licença de Operação da já privatizada mineradora Vale, os itabiranos fizeram, conjuntamente, em um modelo pioneiro, avaliação de seu quadro ambiental, entre outras questões.

Imagem registra participação da população durante Audiência Pública da LOC da Vale, em fevereiro de 1998, no Centro Cultural Carlos Drummond de Andrade.


Àquela época, organizações da sociedade civil, moradores, orgãos públicos e governantes, já sabiam que medidas imediatas quanto à preservação da biodiversidade, das águas e o reflorestamento orientado, deveriam ser colocadas em prática, para impedir o que ocorreu na semana passada com o grave desabastecimento.
Por isso essas questões e o provimento de água na cidade foram colocadas como condicionantes, a pedido da população e apoio do governo municipal, á época.

Lua de Mel: Vale, Itabira e Ronaldo Magalhães

“Não obstante, em termos das áreas ambientais afetadas, algumas condicionantes não foram cumpridas durante esse período. A Vale pediu extensão em várias condicionantes para a FEAM, por exemplo: condicionante um (pertencente ao aterro de Itabira), condicionante 12 (pertencente às fontes de água e qualidade da água), e a condicionante
37 (pertencente à compensação de biodiversidade e desflorestamento) que não foram atendidas”.

Ao longo de anos, “Muitas críticas a respeito da Vale foram feitas pela comunidade por causa de sua incapacidade em cumprir a condicionante 12, que trata de encontrar e usar fontes alternativas de águas superficiais e subterrâneas para suprir a necessidade do município, já que a falta d’água resultou no aumento em dobro do custo da água em Itabira14. A compensação pela degradação do ambiente pela implementação das unidades de conservação das florestas municipais (condicionante 34, 37, 38) é uma fonte de desacordo, com a exceção do Parque do Intelecto, um parque utilizado para educação ambiental urbana e com trilhas, que tem sido considerado um sucesso.
Várias das condicionantes da LOC (1; 29; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 38; 45; 46; 47;52)foram consideradas como “cumpridas” pela companhia pela simples apresentação de um “estudo”, “plano” ou “projeto conceitual” para a PMI e/ou FEAM.

O declínio da pressão dos intervenientes, no período de 2000‐2004, mostra o período de aparente “lua de mel” entre a Vale e os diversos atores intervenientes no que diz respeito ao cumprimento de algumas das 52 condicionantes.
Também explica as mudanças drásticas no papel dos intervenientes da LOC (PMI, sociedade civil, CODEMA e finalmente a FEAM) no qual era necessário manter a pressão dos intervenientes para o cumprimento das mais urgentes e/ou complexas condições, em acordo com administradores do município neste milênio”.
Em troca, a mineradora “ajudou” na construção da segunda etapa do canal da Praia, obra cuja primeira metade foi concluída no governo anterior, com recursos próprios.
Esta mudança veio para substituir a condicionante 6 (reabilitação do córrego Conceição), outro prejuízo à cidade.

“A lua de mel entre Vale e a PMI foi baseada na “parceria” entre ambas na realização de obras públicas que resultaram num subproduto da LOC. Mesmo que as obras públicas citadas acima não fizessem parte da LOC, a Vale e a PMI finalmente se engajaram num diálogo e a PMI, aparentemente, obteve o que queria da Vale (recursos financeiros e
fundos para obras públicas).


Mudanças no papel da PMI


Imediatamente após a concessão da LOC, houve mudança na administração da PMI. Com a não reeleição do então prefeito, a vontade política da PMI de continuar a pressão dos intervenientes mudou drasticamente.
A eleição é, portanto, muito importante, pois mostra o afastamento da regulamentação do estado como parte de uma mudança ideológica quando o prefeito recém‐eleito tomou posse e mostrou que mantinha uma ideologia totalmente diferente daquela seguida pelo antigo prefeito. O resultado das eleições levou à mudança na pressão dos interessados, o que também explicou a menor preocupação da Vale com a observância das condicionantes da LOC.


A “lua de mel” entre a Vale e a sociedade civil


A Vale construiu diversos parques e campos de esportes, cercou passagens de trens perigosas e também mudou passagens de trens que atravessavam alguns bairros (Major Lage, Esplanada da Estação, Vila São Joaquim, Alto Pereira, Centro, Vila Amélia, Areão), construiu passagens de pedestres, cercou acessos a barragens, construiu a Fazenda do Pontal para promover a cultura e ter atividades engajadas no programa PEMSO, até 2003.

Política do “me engana que gosto” trocou captação no Rio Tanque por outras outras e deixou itabiranos e visitantes, sem água. Foto: FCCDA


No entanto, como o gerente da FEAM (à época) declarou: “Você tem que tomar cuidado com a educação ambiental porque muitas vezes as companhias usam ­na como “maquiagem”. A Vale adora usar a educação ambiental, porque esta é uma iniciativa altamente visível e é facilmente coberta pela mídia….
Entretanto, existem impactos ambientais sérios que não são discutidos, como a contaminação dos solos e a poluição das águas subterrâneas…”
Portanto, é discutível que os projetos de infraestrutura (como os de parques e campos de esportes) e de educação ambiental foram completados como parte da LOC entre os anos de 2000‐2004, possivelmente para acalmar a população depois de tudo que se falou entre 1996 e 2000. Quanto mais a comunidade via coisas serem construídas ou eventos sendo organizados, menor a pressão que exerciam em relação às questões importantes, como a diminuição do lençol freático de Itabira”.

Deu no que deu.

*Texto em aspas: A busca pela responsabilidade socioambiental em Itabira, de Denise Tubino,John F. Devlin e Nonita Yap, em mineralis.detem.gov.br

Foto: PMI/FCCDA/ Marcelo Prates

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