Uma ação civil pública foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) com o objetivo de proteger uma cavidade pré-histórica descoberta na cidade mineira de Caeté, na região metropolitana de Belo Horizonte.
A ação busca que a Justiça Federal determine ao órgão responsável pela proteção do patrimônio cultural brasileiro a abertura, em um prazo de 10 dias, de um procedimento administrativo para avaliar o valor natural, histórico e cultural da paleotoca (cavidades escavadas por animais extintos que habitavam abrigos subterrâneos).
A paleotoca está em risco de deterioração ou desaparecimento devido ao projeto Apolo da mineradora Vale, que está sendo licenciado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad).
A proximidade da cavidade AP-38 com as escavações do projeto, que incluem o uso de explosivos para lidar com rochas e terrenos de difícil manejo, representa um perigo de dano potencialmente irreversível.
O procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, autor da ação, destaca a importância da região da Serra do Gandarela, que abriga não apenas reservatórios hídricos vitais para o abastecimento de Belo Horizonte e outros municípios da região metropolitana, mas também uma rica diversidade biológica e patrimônio arqueológico e espeleológico.
A cavidade pré-histórica de 340 metros de comprimento é considerada a maior de Minas Gerais e a única a apresentar indícios de ter sido escavada por animais da megafauna, como a preguiça gigante de dois dedos, que chegava a medir seis metros de comprimento.
A ação destaca que o estudo das paleotocas é uma fonte valiosa de informações sobre a megafauna extinta, contendo fósseis, marcas de garras e impressões de carapaças, entre outros vestígios conhecidos como ‘icnofósseis’, que remontam a até 12 milhões de anos atrás.
A cavidade AP-38 é considerada uma ocorrência rara, com um valor científico e histórico inestimável. Em junho passado, o MPF recomendou ao Iphan a revisão do tombamento da paleotoca, mas o pedido foi negado com base na portaria nº 375/2018 da autarquia.
O MPF considera essa restrição como manifestamente inconstitucional e ilegal, pois limita indevidamente a proteção concedida a esse patrimônio pela Constituição Federal e pelo Decreto-Lei nº 25/1937.
O MPF defende que o patrimônio paleontológico é um bem cultural, mesmo que sua formação seja atribuída apenas à ação da natureza. A ação destaca que outros sítios paleontológicos e históricos, sem sinais de “apropriação humana”, já foram tombados pelo Iphan, como a Floresta Fóssil do Rio Poti (PI), o sítio arqueológico e paisagístico da Ilha do Campeche (SC) e o sítio arqueológico do Parque Nacional da Serra da Capivara (PI).
O MPF argumenta que, a partir de 2008, o Iphan passou a adotar uma postura que parece restringir a proteção cultural a áreas onde há interesse econômico, o que viola dispositivos constitucionais e legais. Por isso, o MPF solicita a declaração da inconstitucionalidade e ilegalidade dos artigos 81 e 82 da Portaria Iphan nº 375/2018, para que o órgão seja obrigado a iniciar, em um prazo de 10 dias após a decisão judicial, um procedimento de avaliação do valor natural, histórico e cultural da paleotoca AP-28, apresentando os resultados dessa avaliação – seja pelo tombamento ou por outras medidas protetivas – em até 180 dias.