Uma das principais características que define o território pelo qual o Rio São Francisco atravessa é a sua diversidade cultural. São muitos os povos, costumes e tradições que – das montanhas de Minas Gerais até o semiárido nordestino – ajudam a contar um pouco da formação e ocupação desta porção de Brasil.
E alguns dos símbolos que representam essa diversidade tão singular e marcante já há cinco anos podem ser conferidas no Museu Antropológico do Vale do São Francisco, localizado em Belo Horizonte. Desde as icônicas carrancas, passando por objetos de navegação, pesca e artesanatos dos mais variados cantos da bacia hidrográfica, o acervo conta com mais de 220 peças. “O museu tem função fundamentalmente educativa de difundir a história do Rio São Francisco a alunos e pesquisadores em geral”, explica Zanoni Neves, fundador e coordenador do espaço.
“O museu tem função fundamentalmente educativa de difundir a história do Rio São Francisco a alunos e pesquisadores em geral”, explica Zanoni Neves, fundador e coordenador do espaço.
Nascido às margens do Velho Chico na cidade de Pirapora, filho de um capitão fluvial e neto de um maquinista de vapor, Zanoni dedicou-se à pesquisa da navegação no Rio São Francisco de forma quase que espontânea. “Meu pai era navegante, trabalhou 40 anos na região. Quando ele viajava, sempre trazia na volta artesanatos de buriti pra mim; vaporzinhos, canoinhas. Durantes as férias escolares, caso eu tivesse tirado notas boas, ele me levava até Juazeiro junto com ele. Assim eu comecei a gostar do artesanato e a me interessar pela navegação”.
Anos mais tarde ele se formou em sociologia, se tornou mestre em antropologia social e se especializou em museologia, o que conferiu maior rigor científico ao seu colecionismo.
A ideia de constituir um museu partiu de um colega, durante evento da Associação Brasileira de Antropologia, em que Zanoni levou algumas peças do seu acervo sobre o Rio São Francisco e apresentou um trabalho. “Ele me perguntou quantas peças eu tinha e eu disse que eram mais de 150. Ele disse então: ‘você tem que começar a pensar num pequeno museu’. 20 anos depois disso a coleção aumentou e eu já não tinha mais lugar em casa pra guardar. Aí, assim que eu me aposentei, eu resolvi criar isso aqui”.
Toda essa diversidade cultural que tanto define a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, segundo Zanoni, deve-se ao fato de que esta é uma das regiões de mais antiga colonização no Brasil. “No final do século XVI, já começa o primeiro movimento de colonização do São Francisco. O gado começou no recôncavo baiano e, a partir daí, ele vai se interiorizando, até as margens do Rio são Francisco. Lá ele se aclimata muito bem porque encontra água em grande quantidade e o chamado sal-gema, o sal da terra, que o gado adora. Somado a isso, tem-se esse entrechoque entre o vaqueiro que vinha, o colonizador, e o elemento indígena: os índios da etnia cariri. Além disso, as mulheres que se tornavam escravas se tornavam também concubinas, porque os portugueses chegavam aqui no Brasil sem mulheres. Com isso, houve uma miscigenação muito grande”, explica.
Em meio a carrancas, moringas, livros sobre o Velho Chico, registros fotográficos, peças sacras e outros artefatos da época, o visitante tem a oportunidade de conhecer mais sobre a vida e os costumes na bacia, a partir também de uma dimensão pessoal que o próprio Zanoni confere ao seu museu. “Isso aqui é basicamente resultado de todo um interesse ancestral, desde a década de 1970, pelo artesanato e navegação do São Francisco”.
Todo esse arcabouço serviu de referência também para os criadores da novela Velho Chico – da Rede Globo, exibida em 2016 – que também visitaram o museu a fim de conhecer mais a fundo a cultura, os costumes e o modo de vida do povo ribeirinho.
O Museu Antropológico do Vale do São Francisco funciona de terça a sexta-feira e domingo, das 8h às 12h, mediante agendamento. Não é cobrada entrada. O museu está na Rua Desembargador Alfredo de Albuquerque, nº 49, no bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte/MG.
Com texto de Luiz Guilherme Ribeiro e fotos de Ohana Padilha