O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) da UFOP, em conjunto com a Prefeitura Municipal de Ouro Preto, realizou debate sobre os 20 anos da implementação da Lei nº 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de cultura e história afro-brasileira nas escolas. Promovido por meio da Diretoria da Igualdade Racial da Prefeitura de Ouro Preto e da Casa do Professor, o evento, que aconteceu esta semana no Anexo do Museu da Inconfidência, pôs em debate questões sobre a negritude, analisando os processos que avançaram e os que ainda são primitivos, e trouxe à tona casos de racismo estrutural.
A discussão foi mediada pelo diretor de Promoção da Igualdade Racial de Ouro Preto, Kedison Guimarães, e contou com a participação do professor Sales dos Santos, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa (UFV), e do artista Jr Rapper, além da apresentação cultural do grupo de capoeira Ânsia de Liberdade. O evento ainda contou com a presença de estudantes, tanto da comunidade interna quanto externa, de professores e de integrantes da Secretaria Municipal de Educação do município.
O pró-reitor adjunto de Graduação, Adilson Pereira dos Santos, comentou que a lei é tardia: “Celebrar 20 anos dessa lei é algo que necessita ser feito, mas sempre com a perspectiva crítica de que ela chegou muito tardiamente para a história da educação brasileira”. Segundo ele, o município foi um dos primeiros do interior do país a regulamentar a lei. “Em 2005, Ouro Preto aprovou a Lei 59, que fixou as diretrizes municipais curriculares para a educação patrimonial e das relações étnico-raciais. Inclusive, a lei possibilitou a criação do Núcleo de Relações Raciais do âmbito da Secretaria Municipal de Educação de Ouro Preto”, acrescentou.
O início da palestra foi marcado pela apresentação de casos de sentenças raciais do Tribunal Federal defendidas com justificativas racistas. Diante do que foi apresentado, o professor Sales dos Santos, também da UFOP, observou que o racismo estrutural é causado tanto por pessoas negras quanto por pessoas brancas, regidas por uma mesma sociedade estruturalmente racista. Na perspectiva dele, mesmo que as instituições se disponibilizem a promover a equidade racial, elas já deveriam estar no processo de construção dessa promoção há mais tempo, por meio da desconstrução do eurocentrismo nos meios sociais, como família, escola e universidade, e do fomento de ações afirmativas.
Motivado pela desconstrução desse cenário, Sales dos Santos realizou uma pesquisa sobre a execução da lei nos planos pedagógicos em diversas universidades brasileiras, que apresentou no evento . Esse levantamento ressalta que esses órgãos incluem a pluridiversidade em seu plano de ensino, entretanto, não o efetivam em seu cotidiano acadêmico. “Devemos cobrar o fornecimento de disciplinas que promovam o conhecimento étnico-racial em todas as escolas e universidades”, afirmou.
Sales do Santos destacou ainda a falta da formação de professores na educação básica como a semente da problemática do ensino que não viabiliza a valorização de todas as culturas e histórias. Assim, para que o racismo estrutural não atue nos âmbitos profissionais, como nos casos das sentenças movidas pelo racismo, o professor acredita ser necessária uma formação plena e plural dos professores universitários. Ele ressaltou também que o desconhecimento de que negros e indígenas tiveram papel fundamental na construção deste país se reflete no ensino, que não os valoriza.
No evento, também estava presente a presidenta do movimento Unegro, Magda Rosa, que trouxe a perspectiva de que a sociedade tem que mudar a visão do negro escravizado para a do negro na educação e na ciência. “A gente tem que deixar de ser aquele negro escravo. Hoje, temos doutores negros que ainda são vistos como ‘aquele’. Não ‘a Magda Rosa, presidenta do Unegro’, mas ‘aquela menina’. Essa mudança de perspectiva é importante para que não olhemos mais de baixo para cima, achando que somos menores do que os outros, mas que possamos olhar frente à frente”, destacou.
Os palestrantes finalizam o debate enfatizando a importância do compromisso das secretarias municipais e estaduais de atuarem nas metas de implementação das ações afirmativas nas escolas e universidades. Também avaliaram que, sim, deve-se comemorar, mas não se pode deixar de cobrar.
O final do evento foi marcado por um sorteio de camisas e de exemplares do livro “Pensando Áfricas e suas diásporas: aportes teóricos para a discussão negro-brasileira”, organizado por Clézio Gonçalves, Janaina Damaceno e Kassandra da Silva.