Práticas dos apanhadores de flores sempre-vivas alcançam reconhecimento internacional

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Uma prática centenária no Jequitinhonha foi reconhecida pela FAO como patrimônio agrícola mundial: a coleta das flores sempre-vivas, tradição centenária das comunidades da Serra do Espinhaço.

A outorga da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, coloca a prática no  seleto grupo dos Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam).

 A entrega aconteceu na manhã desta quarta-feira (11/3), em Brasília, com a presença de autoridades e representantes dos apanhadores de flores.

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O objetivo é certificar populações que preservam métodos seculares de manejo da terra e mantêm, dentro de seu habitat, relações sustentáveis com o meio ambiente. É o primeiro reconhecimento dessa natureza no país e o quarto na América Latina.

Tradição na coleta de sempre-vivas passa de geração em geração na Serra do Espinhaço,. Foto: Nalda Nogueira.

Quem dedicou toda vida à atividade garante que a conquista é motivo de orgulho. Jovita Maria Gomes Corrêa, de 62 anos, afirma que aprendeu o ofício com os pais, ensinou tudo aos filhos e espera que as próximas gerações não deixem a tradição morrer. “A ‘panha’ das flores sempre-vivas me ajudou na criação dos meus 11 filhos. Espero que também ajude os meus netos”, disse.

Para Maria de Fátima Alves, uma das coordenadoras da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex), o reconhecimento valoriza o esforço de famílias inteiras da região do Espinhaço.

“A gente já nasce fazendo isso e vamos muito cedo para o campo, junto com a família. Eu mesma comecei com 8 anos. É fantástico ver essa premiação, saber que esse processo agora tem importância para Minas, para o Brasil e o para o mundo”, comemorou.

Abrangência

Ao todo, 1.500 pessoas distribuídas em seis comunidades serão diretamente beneficiadas. Entre elas estão Pé de Serra e Lavras, situadas no município de Buenópolis; Vargem do Inhaí, Mata dos Crioulos e Macacos, localizadas em Diamantina e, ainda, o povoado de Raiz, em Presidente Kubitschek. 

Em cenário belíssimo, coleta das sempre-vivas é fonte de renda, inspiração e esperança para comunidades locais.

A expectativa é que, com a chancela internacional, esses lugarejos passem a ter mais visibilidade e, por consequência, ganhos com o turismo e com a economia. Para a secretária de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ana Valentini, o selo vai chamar a atenção para a necessidade do envolvimento de todos na preservação dessas comunidades e da rica cultura que elas carregam através de gerações.

“ Estamos muito otimistas quanto aos benefícios que o reconhecimento da ONU trará para toda a comunidade envolvida, principalmente para aquelas pessoas que vivem essa realidade de campo, com muita dificuldade, e que têm no extrativismo da sempre-viva sua fonte de renda”, comemora.

Representante da FAO no Brasil, Rafael Zavala explica que os sistemas de patrimônio agrícola são caracterizados pela combinação de quatro elementos: biodiversidade, ecossistemas resilientes, conhecimento tradicional e herança cultural. “Depois de ter conhecido o trabalho destas apanhadoras de flores sempre-vivas há um quinto elemento que incluo como muito importante: a dignidade das mulheres rurais”, pontuou.

Presidente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), Gustavo Laterza destaca os esforços que vem sendo direcionados para o programa Sistemas Agrícolas Tradicionais (SAT) da Serra do Espinhaço. “Prestamos atendimentos junto às comunidades rurais e os povos tradicionais, levando apoio técnico e construindo soluções para criar oportunidades. Vale destacar as agendas de produção sustentável, agroecologia, saneamento rural, segurança hídrica e bovinocultura. Lembrando que há, ainda, ações sociais de capacitação e políticas públicas como o Brasil Sem Miséria, todas voltadas para atender famílias dessas regiões”.

Candidatura

A mobilização de apanhadores e apanhadoras de flores sempre-vivas foi fundamental para que a candidatura fosse apresentada à FAO. O grupo foi o responsável por construir o Plano de Conservação Dinâmica (PCD) do Sistema Agrícola Tradicional, com a efetiva participação das entidades representativas, do poder público local e estadual, além dos institutos de ensino, pesquisa e outros parceiros.

Serras mineiras desfilam belezas empolgantes, entre elas se destacam as sempre-vivas. Foto: Seapa

A proposta foi encaminhada oficialmente à FAO e, logo em seguida, passou pela avaliação do comitê científico da organização resultando em uma visita a campo. A

 “Temos muito a aprender com o modo de vida dessas comunidades. Reconhecer esse sistema tradicional como patrimônio cultural do Estado de Minas Gerais significa, conhecer, registrar e preservar esses saberes e atuar de forma a assegurar os direitos culturais das comunidades através das ações de salvaguarda”, enfatiza a presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), Michele Arroyo.

Raridade

Além das comunidades do Jequitinhonha, também integram o Sipam na América Latina o corredor Cuzco-Puno, no Peru, o arquipélago de Chiloé, no Chile, e o sistema de Chinampa, no México. Em todo planeta, há apenas 59 patrimônios agrícolas com este reconhecimento. 

Foto: João Roberto Ripper

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