Processo de desindustrialização no Brasil se acentua

Saída de multinacionais mostra que a economia vive há anos situação de paralisia de investimentos estratégicos, impedindo o desenvolvimento do setor industrial. Não foram criados estímulos para aumento de produtividade no Brasil – Foto: via Agência Brasil
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A indústria brasileira dá sinais de que algo de errado acontece no setor. Do início do ano até agora, três gigantes multinacionais anunciaram que vão abandonar o Brasil. A norte-americana Ford deixa o mercado de fabricação de veículos nacional depois de mais de 100 anos. A alemã Mercedes-Benz fecha a única fábrica no Brasil de carros de luxo. A japonesa Sony fecha a fábrica em Manaus (AM) e abandona o mercado de televisores, câmeras e aparelhos de áudio. Esse movimento mostra que o País passa por um processo de desindustrialização, e não é de hoje, como sugerem alguns números e apontam especialistas.

No ano passado, 5,5 mil fábricas encerraram suas atividades em todo o País. Em 2015, o Brasil tinha 384,7 mil estabelecimentos industriais e, no fim do ano passado, a estimativa era de que o número tinha caído para 348,1 mil. Em seis anos, foram extintas 36,6 mil fábricas, o que equivale a uma média de 17 fábricas fechadas por dia no período. Os números são de um estudo feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) para o Estadão/Broadcast.

Outro dado comparativo que reforça a ideia de desindustrialização é apontado por um relatório do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), mostrando que a participação do setor industrial no PIB brasileiro vem caindo ano a ano. Em 2018, a indústria de transformação representou apenas 11,3% do PIB, quase metade dos 20% registrados em 1976.

E, se nada for feito, nos próximos anos a participação da indústria no PIB brasileiro vai ficar abaixo dos 10 por cento. É o que aponta Guilherme Feitosa, diretor em Ribeirão Preto do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), para quem o ambiente para negócios neste setor no Brasil desfavorece investimentos tanto nacionais quanto de multinacionais.

Causas da desindustrialização
O professor Sérgio Kannebley Júnior, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, concorda com a avaliação de que esse ambiente desfavorável não surgiu do dia para a noite, mas foi construído ao longo de anos. O grande problema é que o setor depende fundamentalmente do Estado. “Nos anos 1970, o setor industrial no Brasil tinha um forte investimento estatal e o setor privado se beneficiava desses incentivos estatais, e isso hipertrofiou o setor. Com o passar dos anos, o Estado foi perdendo sua capacidade de financiar a indústria e houve o declínio.”

Além disso, não foram criados estímulos para aumento de produtividade e do poder competitivo da indústria brasileira. “Ao longo do tempo, com a abertura comercial que houve, a indústria ficou mais exposta à concorrência internacional, ainda que estivesse muito protegida. O setor não se preparou para a concorrência externa. O agro brasileiro se preparou para concorrer no mercado externo e o setor industrial, não.”

Para o economista Renan Rocha, assessor de Relações Institucionais na Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp), o que falta para o Brasil é alcançar a maturidade econômica. “O processo de desindustrialização é positivo em um país quando a economia atingiu um alto potencial de produtividade na indústria, aí ele começa a migrar para o setor de serviços.”

Desindustrialização saudável
Fazer o Brasil atingir a maturidade econômica e transformar a desindustrialização em um processo saudável exige um investimento forte nas áreas de conhecimento e de inovação. “Uma vez que o processo de desindustrialização foi iniciado sem alcançar a maturidade no setor, essa transição da economia industrial para a economia de serviços exigirá uma inteligência humana e uma capacidade de geração de inovação muito maiores do que simplesmente a capacidade produtiva das máquinas”, analisa Rocha.

Por outro lado, o economista aponta a necessidade das reformas estruturais. “O Estado precisa fazer as reformas tributária, administrativa, trabalhista” e realizar o ajuste das contas públicas para atrair novos investimentos e criar um cenário de estabilidade econômica, já que ninguém gosta de trabalhar com incertezas. Para ilustrar, Rocha cita o caso do Citibank que, em 2017, decidiu deixar o Brasil, pois, “apesar de ter no nosso país apenas 1% da sua receita global, em contrapartida 93% de seus processos trabalhistas se concentravam no território brasileiro. Isso foi um dos principais motivos para que a empresa encerrasse suas atividades aqui”, conclui.
*Por Ferraz Jr/Jornal da USP

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