UFOP discutiu sustentabilidade e inclusão no modelo econômico da agricultura familiar

"Atualmente um grande problema para a agricultura familiar é a questão da sucessão, ou seja, como garantir a continuidade da produção na unidade familiar ao longo das gerações"

Região tem a capacidade na produção de alimentos mais saudáveis, mas base de apoio precisa ser ampliada.
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A agricultura familiar cumpre um importante papel em nosso país: coloca nas mesas uma comida mais saudável, sem agrotóxicos, enquanto sustenta famílias de norte a sul. No entanto, essas pessoas não recebem o apoio necessário para continuar trabalhando.

No programa “Em Discussão” da Universidade Federal de Ouro Preto, desta semana, a professora Marisa Singulano explica a contribuição deste ramo para a economia, principalmente na Região dos Inconfidentes. Ela também fala sobre os desafios e o que podemos fazer para fortalecer os agricultores.

Marisa é doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestra em Antropologia (UFMG) e bacharela em Ciências Sociais (UFMG). Atua no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Desenvolvimento Econômico e Social (Nupedes) da UFOP, que tem como objetivo propor e executar projetos de pesquisa e extensão relacionados à temática do desenvolvimento local em Ouro Preto e Mariana, no que se refere tanto aos aspectos socioeconômicos quanto ambientais.

De acordo com o IBGE, a agricultura familiar representa 77% da produção agrícola do Brasil e segue parâmetros semelhantes em Ouro Preto e Mariana. De que forma você percebe que essa atividade contribui para o bem-estar da família que produz?

Os agricultores familiares não recebem o apoio necessário para continuar trabalhando, afirma a professora Marisa Singulano.

Nessas unidades de produção familiar são produzidos, essencialmente, alimentos que são consumidos pela própria família e comercializados na região, o que contribui para o bem-estar dos produtores e da população em geral de várias formas, mas gostaria de destacar os aspectos econômico, ambiental, da saúde e social:

  • no aspecto econômico, a agricultura familiar gera renda para as famílias no campo e fomenta a economia local, contribuindo para o desenvolvimento da região, mas para isso é importante que as famílias agricultoras tenham suporte, por meio de políticas públicas de crédito, de assistência técnica à produção, de apoio à comercialização, entre outras;
  • no aspecto ambiental, podemos destacar que entre os agricultores familiares de Mariana e Ouro Preto muitos produzem sem uso de agrotóxicos e a partir dos princípios da agroecologia, ou seja, trata-se de uma atividade em equilíbrio com os ecossistemas locais a partir de práticas que contribuem para a sustentabilidade, o que traz benefícios a todos;
  • no aspecto da saúde, a produção de alimentos pela agricultura familiar, sobretudo de forma agroecológica, contribui para o bem-estar das famílias produtoras e dos consumidores, em geral por meio de uma alimentação saudável e livre de agrotóxicos. Associado a isso, no aspecto social, a produção familiar contribui para a segurança alimentar e nutricional das próprias famílias e da população em geral, ou seja, garante o direito de todos ao acesso regular a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, a partir de práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis, como preconiza a LOSAN, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei n° 11346/2006).

O avanço tecnológico pode prejudicar a agricultura familiar de alguma forma? Como você avalia a competição entre as grandes corporações do ramo e os pequenos produtores? A tecnologia em si não é necessariamente prejudicial para a agricultura familiar. O problema é a desigualdade de acesso à tecnologia e a exclusão digital da população rural. Em um mundo onde as relações sociais são cada vez mais mediadas pela tecnologia e os meios digitais de comercialização são altamente difundidos, é importante garantir a inclusão digital da população rural, em especial dos jovens, para que eles possam se inserir na economia.

Além da questão do acesso à tecnologia, é importante destacar que grandes corporações têm o controle não só da tecnologia de informação e de dados dos usuários, definindo, por exemplo, o tipo de conteúdo que consumimos nas mídias, mas também da nossa alimentação, definindo o que e como será produzido e o que nós comemos.

Propriedade, assistência técnica, crédito e outros incentivos são essenciais na permanência dos agricultores e produção orgânica. Foto: Regiane Ferreira.

A produção, a distribuição e o consumo de alimentos se organizam no que chamamos de sistema agroalimentar, que, atualmente, é globalizado e controlado por grandes e poucas corporações transnacionais. Essas empresas tratam o alimento como mercadoria, ou seja, seu interesse se investe em produzir da forma mais rentável possível, não sendo prioridade a sustentabilidade e a saúde humana. No âmbito da produção, ocorre um domínio do agronegócio e da indústria extrativista, que se apropriam de terra e água para a geração de lucros em detrimento da produção de alimentos. Algumas das consequências disso são a devastação dos ecossistemas, a expulsão dos agricultores familiares e de populações tradicionais de suas terras, a contaminação por agrotóxicos, etc. No âmbito da distribuição e do consumo de alimentos, o sistema agroalimentar globalizado promove a escassez de alimentos no mercado interno — já que a produção está centrada em commodities de exportação mais lucrativas (como a soja e biocombustíveis) —, tendo como consequência a insegurança alimentar, a elevação da inflação e a oferta de alimentos não saudáveis, como os ultraprocessados e os produtos com agrotóxicos que prejudicam a saúde da população (mais informações sobre alimentação saudável no Guia Alimentar para a População Brasileira).

Manter os filhos e descendentes na atividade do campo, um desafio para os agricultores familiares, em todo o país.

Nesse contexto, os pequenos produtores familiares são extremamente prejudicados, pois, além de não terem apoio do poder público no momento atual, muitas vezes não conseguem concorrer com os preços das grandes redes supermercadistas, se encontram presos em contratos desfavoráveis com a indústria ou têm de vender a produção para atravessadores que os remuneram mal.

Nós, como consumidores, podemos procurar saber a origem e a qualidade dos alimentos que consumimos para agirmos na contramão desse sistema agroalimentar. Podemos privilegiar os alimentos da agricultura familiar local, especialmente produtos orgânicos ou agroecológicos, comprando, sempre que possível, diretamente dos produtores ou de suas cooperativas e redes de comercialização justas e solidárias.

A evasão dos jovens, no cenário agrícola, impacta de qual forma a produção e a estrutura familiar?

Atualmente um grande problema para a agricultura familiar é a questão da sucessão, ou seja, como garantir a continuidade da produção na unidade familiar ao longo das gerações com a saída dos jovens do meio rural. Os dados disponíveis nos mostram que há um envelhecimento da população rural, cuja renda passa a ser oriunda não apenas da produção, mas também, e muitas vezes de forma predominante, de previdência e outros benefícios. A saída da população jovem do campo gera impactos para a sociedade em geral, para o poder público e para as famílias e comunidades rurais. Em relação à produção, pode haver um comprometimento pela escassez de mão de obra e/ou um processo de mudança em padrões tecnológicos. Mas não há condições de permanência digna para esses jovens no meio rural e na agricultura familiar, a menos que haja políticas públicas de educação, de acesso à informação, de crédito e inclusão produtiva, de comercialização, além de políticas para segmentos específicos como as mulheres, as populações e comunidades tradicionais, os empreendimentos coletivos, entre outros.
A entrevista completa está em ufop.br.

Foto capa: PMM

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