Oxford e China estão na última fase dos testes; cerca de 90 milhões de doses já foram adquiridas pelo Brasil
Felipe Mascari | RBA – A vacina contra a covid-19 está próxima da fase final da elaboração. Até o momento, dois testes já apontam um cenário positivo para a produção do fármaco: um da Universidade de Oxford e outro da farmacêutica chinesa Sinovac Biotec. Apesar do otimismo, especialistas explicam que é preciso cautela e, caso seja aprovada, a vacina deve ser distribuída somente em 2021.
Os dois medicamentos estão na terceira fase dos testes em seres humanos – a última e mais complexa da elaboração. Esse processo envolve um ensaio com milhares de indivíduos de vários países, abrangendo um universo maior de pessoas, de maneira randomizada, de todas as classes, idades, gêneros e sexo.
A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e mestre em Tecnologia de Imunobiológicos por Bio-Manguinhos/Fiocruz, Mayra Moura, explica que a vacina tem que se mostrar segura e eficaz. Entretanto, como o estudo já passou por duas fases anteriores, também em seres humanos, as expectativas são positivas.
“Existem produtos que chegam na fase três e não desempenham bem, mas é uma proporção pequena. Portanto, esses testes positivos são uma esperança real de estarmos próximos de uma vacina registrada e disponível para a população. É um cenário mais otimista”, afirmou à RBA.
Como funcionam os testes?
A especialista explica que todo desenvolvimento de vacina passa, primeiro, por uma fase laboratorial. Depois de aprovada, é feita uma análise pré-clínica, in vitro ou in vivo, para testar a segurança do medicamento.
Em caso de nova aprovação, os testes passam para a fase clínica, divida em três partes, e feitos com seres humanos. O primeiro estudo tem por objetivo principal demonstrar a segurança da vacina. Já o segundo busca obter respostas sobre a capacidade imunológica, para que se possa chegar à fase três.
Como a terceira parte do teste envolve um grupo maior de pessoas, há a chance de se identificar algo que possa atrasar os resultados, explica Mayra. Ela ainda afirma que, caso aprovada, a vacina da covid-19 será eficaz, mas não se saberá por quanto tempo.
“A eficácia a gente mede de algumas formas, como pela produção de anticorpos e estímulo de células do sistema imunológico. Porém, é demorado para saber o tempo de duração da imunização, porque a gente não conhece a doença. Essa resposta só é possível prever quando conhecemos o comportamento da doença, então, só o tempo vai dizer”, acrescentou.
Eficácia da vacina
As vacinas da Universidade de Oxford e da Sinovac Biotec são as que apresentaram melhor resultado até a fase dois, apontando eficácia e resposta de proteção e segurança. O estudo da Oxford usa como plataforma um adenovírus de chipanzé, um vírus que causa resfriado e é geneticamente modificado para se tornar mais fraco.
Já o medicamento chinês é uma vacina de vírus inteiros, mas enfraquecidos. Um artigo publicado por Naor Bar-Zeev, no The Lancet, principal revista científica voltada à medicina no mundo, afirma que as duas vacinas são promissoras, apesar de diferenças no vetor.
“Os sinais de segurança desses dois importantes ensaios são tranquilizadores. Mas quando as coisas são urgentes, devemos proceder com cautela. O sucesso da vacina covid-19 depende da confiança da comunidade nas ciências do medicamento, o que requer uma avaliação abrangente e transparente dos riscos, além de uma comunicação honesta dos possíveis danos”, pondera o texto.
Vacina da covid-19 em 2021
Apesar dos avanços nas pesquisas, a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) é enfática: esperar que a vacina esteja disponível no posto de saúde, ainda neste ano, é muito otimismo. “Como o acompanhamento dos testes dura três meses, não acredito que saia ainda neste ano. O primeiro trimestre de 2021 já seria um cenário muito positivo e otimista”, afirmou.
Ela explica que há fatores que podem colaborar para que o medicamento esteja disponível ainda em 2020, como a aceleração na inclusão dos participantes no estudo de fase três e a apresentação imediata de resultados positivos, o que ela considera difícil.
O professor Titular do Instituto de Química da Unicamp e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Carlos Dias, também aponta para uma disponibilização da vacina da covid-19 apenas no ano que vem.
“Se tudo der muito certo, teremos uma vacina para julho de 2021 e se tudo der muito, muito, muito certo, no primeiro trimestre de 2021. É preciso cautela e é importante lembrar que precisamos de produção em larga escala pois estamos falando em vacinar oito bilhões de pessoas no mundo e 212 milhões no Brasil”, disse, em artigo.
Distribuição no Brasil
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do Bio-Manguinhos, vai contribuir para a produção da vacina, no Brasil, em colaboração com a Universidade de Oxford. O Ministério da Saúde já assumiu o risco e comprou de 30,4 milhões de doses.
Já o Instituto Butantan fechou uma parceria com a chinesa Sinovac Biotec. Além dos testes em conjuntos, caso a eficácia seja comprovada o Butantan deve receber a transferência de tecnologia e terá acesso a 60 milhões de doses, mas a partir de setembro de 2020.
Mayra afirma que não é possível saber quando os medicamentos chegarão para o público geral. “Com certeza, não teremos vacina para 230 milhões de brasileiros. Ela vai chegar para determinados grupos, primeiro. Tem gente correndo por fora, como a Pfizer, para comercializar logo, portanto, poderemos ter vacinas na rede privada antes”, relata.
Segundo ela, apesar do sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS), promovido pelo governo Bolsonaro, e da ausência de um ministro da Saúde, a distribuição deve ocorrer sem muitos problemas, já que o Programa Nacional de Imunizações (PNI), responsável pelo fornecimento, é estruturado e não foi desmantelado.
“A falta de um ministro pode não ser um problema agora, mas caso o programa tome grandes proporções, pode incomodar o governo e ser desmantelado. Porém, estamos bem estabelecidos e acredito que a vacina vai ser bem distribuída”, explica a especialista.
Cuidados pós-vacina
Com a proximidade da vacina, os especialistas chamam a atenção para a falta de comprometimento da população com as medidas preventivas de disseminação do novo coronavírus.
Luiz Carlos e Mayra acreditam que uma imunização, mesmo parcial, poderá ter um papel crucial para minimizar o número de contaminações, reduzindo a superlotação dos hospitais e, consequentemente, a necessidade do distanciamento social.
“Se a gente conseguir vacinar uma grande parte da população, como 80%, existirá a imunidade de rebanho. Porém, o uso de máscara vai continuar necessário por muito tempo, como a gente vê na Ásia, onde as pessoas passaram a usá-la diariamente”, afirma a integrante da SBIm.
Por outro lado, o professor da Unicamp lembra que, enquanto não há vacina, não há motivos para flexibilizar. “Enquanto a vacina não vem para somar, aqueles que podem, devem se manter em casa e respeitar o isolamento social”, escreveu.