O sentido da vida é não adoecer

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Por Éverlan Stutz

Amo ter amigos artistas. Conversar com eles é uma dádiva. Os artistas têm uma percepção ampliada do mundo, da biologia, das organelas, da mitocôndria. Adoro a palavra ‘mitocôndria’ e sua função de respiração celular. A mitocôndria é fantástica! Certa vez, uma amiga deu à luz a uma menina e me ligou para pedir sugestões para o nome da recém-nascida. Falei sem titubear: Mitocôndria. Ela desligou o telefone e nem deu tempo para eu explicar o papel crucial da mitocôndria que mantém viva a energia das células.

O artista é a mitocôndria de nosso organismo social. Ele traz o oxigênio da criatividade, o oxigênio de uma realidade aguçada entre a sensibilidade e a razão. Os artistas nos fazem ressignificar as estruturas arcaicas. Eles plantam uma semente de crença no que há de mais nobre na humanidade. Os grandes artistas entendem e praticam a função social da arte e sua crítica constante ao modelo decadente de sociedade. Arte é reflexo. É o espelho do que experenciamos no cotidiano. E esse espelho deve ser amplificado, questionado. A verdadeira arte causa reflexão. É nisso que acredito e sigo a fazer míseras reflexões de pirilampos para aliviar a dor particular e a inquietude existencial.

Outra amiga, uma artista veterana, também não ia gostar do nome mitocôndria. Mas ia gargalhar, no mínimo, desse disparate.  Suzana é o nome dela, de sobrenome Menezes. Dona de uma voz potente, Suzana é aquele tipo de pessoa que emana carisma, espontaneidade e talento. Quem a conhece jamais esquece de sua gargalhada solta, de sua baianidade estampada no sotaque e na grandeza das almas generosas que fazem sacrifícios sem se queixar. Suzana é um presente e sua presença é requisitada em festividades para celebrar a vida. No início do ano passado, quando sabíamos o que era uma pandemia apenas em livros de história ou em filmes de ficção científica, perguntei a Suzana: qual o sentido da vida? Ela rio, desdenhou, falou uns típicos palavrões da terra de Gregório de Matos e soltou essa pérola: ‘O sentido da vida é não adoecer’. Essa frase ficou gravada na memória, um aforismo pontual, com a nítida potência diante da vida.

Somos feitos pela matéria bruta da contradição. E os artistas estão aí para revelar nosso cântico de dor e de júbilo. O mundo capitalizado pela ganância também está doente.  A natureza pede socorro: rios e mares poluídos, desmatamentos, rompimento de barragens em nome da mineração desenfreada. E para piorar o habitat natural, estamos vivenciando a pandemia da Covid-19 que mata milhares por dia. O ecossistema gigante caminha adoecido e me sinto uma mitocôndria minúscula. É necessário lutar para não adoecer! 

Éverlan Stutz é jornalista, professor, poeta, ator e compositor

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