De um lado, paira sobre a população atingida o receio da aplicação do prazo prescricional de três anos, contados a partir do acordo que consta na Ação Civil Pública, de modo a se encerrar em outubro de 2021. De outro, a esperança de que a justiça seja feita a partir da determinação da imprescritibilidade das ações referentes aos danos causados pelo maior crime socioambiental do país. Entre esses dois cenários, no entanto, existe uma gama de interpretações possíveis a respeito do prazo prescricional. A audiência virtual desta quinta-feira (09) pode revelar algumas respostas sobre o tema, ´às 13 h, .
Entenda o caso
A prescrição é a perda do direito de exigir a reparação do dano através do poder judiciário, pela falta de ação da vítima dentro de um determinado prazo legal. Ou seja, a prescrição põe fim ao direito de cobrar na justiça pela reparação. Os prazos prescricionais são definidos por lei. No entanto, é o juiz ou juíza do processo quem define, a partir de seu próprio entendimento, qual a lei e qual o prazo prescricional vai ser aplicado em cada caso.
Para contribuir e qualificar o debate, no dia 02 de julho de 2021, a equipe de Assessoria Jurídica (AJ) da Cáritas MG protocolou, junto ao Ministério Público, um documento ‘técnico-jurídico’ com diferentes teses sobre a prescrição.
A principal tese defendida é a da imprescritibilidade das ações decorrentes dos danos ambientais, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, que diz: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. O STF considera que o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito humano fundamental e, por isso, não se perde com o passar dos anos. Assim, em casos de ações de indenização resultantes de danos ambientais, como ocorre em Mariana, não deveria existir prescrição alguma. Essa também é a interpretação de Marino D’Ângelo, membro da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão em Mariana (CABF). “Nós estamos falando de um dano irreparável na vida das comunidades, então, é impossível enxergar justiça para um crime desse tamanho, dessa magnitude, falando em prescrição. Sendo assim, não deveria nem falar em prescrição”, conclui o atingido de Paracatu de Cima.
Além disso, o documento elaborado pela AJ da Cáritas MG apresenta os prazos aplicáveis nos casos de Mariana, como, por exemplo, a possibilidade de suspensão dos prazos de acordo com o impacto da Fase de Negociação Extrajudicial (FNE) na realidade de cada pessoa atingida. São inúmeras as violações sofridas pelas atingidas e atingidos nessa etapa extrajudicial em função de uma postura irresponsável da Fundação Renova. Para se ter uma ideia, mais de 150 núcleos familiares inteiros acionaram a AJ da Cáritas por não terem sido reconhecidos como atingidos para fins de indenização pela Fundação Renova. Essas famílias recebem cartas enviadas pela Fundação negando o direito de participar da Fase de Negociação Extrajudicial (FNE), sem justificativa ou clareza dos critérios adotados. Além disso, existem outras centenas de casos de não reconhecimento de apenas parte do núcleo familiar na própria FNE, ou seja, a Fundação Renova reconhece algumas pessoas e nega indenização para outras dentro da mesma família atingida.
Mesmo as famílias cujo direito à indenização é reconhecido pela Renova passam por violações sistêmicas na FNE, como o injustificado atraso para apresentação da primeira proposta de indenização ou entrega da contraproposta, arrastando as negociações por meses e anos. Luzia Queiroz, atingida de Paracatu de Baixo e membro da CABF destaca: “Temos até como provar que foi a Renova quem demorou (…) já era pra ter resolvido isso [as indenizações] com muito mais rapidez, mas ela, com os advogados experientes dela, é que fizeram de tudo para atrasar o processo da gente. Até botar as pessoas irritadas, vencer as pessoas pelo cansaço”. Estas e outras violações geram um cenário de continuidade do crime e acirram a vulnerabilidade das vítimas que, há quase seis anos, lutam pela reparação dos danos sofridos.
O prazo prescricional existe para garantir que o sistema de justiça funcione corretamente e para penalizar o titular de um direito violado que não busca os meios para protegê-lo. No contexto de Mariana, após o rompimento da barragem de Fundão, a vida das pessoas atingidas têm sido uma batalha cotidiana pelo reconhecimento e pela reparação integral. “A gente vem lutando desde quando entendeu que tinha direito, junto com o Ministério Público e outros órgãos que nos apoiaram. O nosso processo, aqui, está em andamento e eu entendo que não tem como um processo que está em andamento ir para prescrição”, explica Expedito Silva (Caé), atingido de Bento Rodrigues e membro da CABF.
São diversos os desdobramentos do crime que é continuado, com surgimentos de novos danos à população atingida, como os danos à saúde que se agravam com o tempo. Assim, nada mais injusto que penalizar e revitimizar essas pessoas com um prazo para acionarem a justiça. Isso é ainda mais evidente em Mariana, cidade cuja Defensoria Pública conta com apenas um defensor. O risco de prescrição abre portas para que oportunistas se aproveitam da fragilidade das famílias atingidas e para que, na aflição para não perder o prazo, famílias sucumbam a indenizações irrisórias, que não geram de fato a reparação pela qual tanto lutaram.
Mais informações: (31) 98447-6415 ou (31) 99445-5928 (WhatsApp)
*Por Ellen Barros, comunicadora da Cáritas em Mariana, com apoio de Gabriela Câmara, coordenadora da Assessoria Jurídica da Cáritas
Foto capa: Tânia Rego/Abr