Coronavírus evidencia a falta dos médicos cubanos

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João Marcelo Goulart*

Em meio à pandemia do coronavírus o que realmente importa é preservar a vida. No entanto, em um mundo globalizado onde milhões de famílias passam fome ou morrem por não terem saneamento básico, a prioridade parece ser outra. No Brasil, “liderado” por Bolsonaro essa realidade é pior ainda. Tínhamos o exemplo de outros países do mundo que falharam ao ignorar o isolamento social para não parar a economia. Essa se tornou uma estratégia genocida e falida em todo o mundo, mesmo assim, Bolsonaro e seus seguidores insistem em atentar contra a saúde do povo brasileiro mandando-os para a rua.

Sempre sou questionado das minhas razões de ter ido estudar medicina em Cuba. Poucos sabem, outros negam e maioria é desinformado, mas Cuba tem os melhores indicadores de saúde do mundo. 

Isso só é possível porque eles possuem um sistema público eficiente, que é voltado para evitar que sua população adoeça. Ora, nada mais lógico do que isso, certo? Diferentemente do Brasil, que segue o modelo “hospitalocêntrico” norte-americano de mero assistencialismo, a formação médica cubana é voltada para a promoção de saúde e prevenção de doenças. Prevenir sempre, inclusive aos que já estão doentes.

Exemplo: para um paciente diabético e hipertenso, nós somos muito enfáticos na prevenção de desenvolvimento de complicações como AVC, insuficiência renal e infartos. Nós aprendemos, em Cuba, sobre as doenças dentro das comunidades, conhecendo a realidade das pessoas. Suas dificuldades e limitações, características do bairro e geografia, etc. É muito mais fácil ter êxito nos indicadores de saúde quando estamos inseridos no dia a dia dessas pessoas. A informação chega mais rápido e mais vezes. No Brasil, aprendemos o que é hipertensão já com o paciente numa unidade de terapia intensiva (UTI) após ter desenvolvido as complicações.

Não basta o caráter social e humanitário da formação médica cubana, também se faz necessário um Estado que invista em saúde. Em Cuba, o acesso às medicações de uso contínuo é praticamente gratuito. A população tem acesso a exames de alta complexidade, sempre e quando necessários. É aqui que ter investido na prevenção faz a diferença. Ao termos uma população bem atendida na atenção primária à saúde, temos poucos doentes com necessidade de exames e procedimentos caros, aliviando muito os gastos.

Assim que retornei de Cuba trouxe na bagagem essa formação humanitária, social e preventiva. 

Iniciei minha trajetória como medico do Programa Mais Médicos em comunidades de Duque de Caxias, na baixada fluminense, e em seguida na Rocinha, uma das maiores favelas no Rio de Janeiro. Meu maior desafio desde então é trabalhar da maneira que aprendi. Porém, na prática, ao invés de atender no máximo uma população de 1,8 mil pessoas, nunca trabalhei com menos de 5 mil pessoas nessas localidades. Esse é um dos grandes desafios do nosso sistema de ensino e de formação em saúde: formar mais profissionais para a atenção primária à saúde e melhorar o atendimento.

O Programa Mais Médicos tinha três pilares fundamentais: o suprimento imediato de carência de médicos (ai entraram os cubanos em maioria); o aumento de vagas na formação em residência médica; e a humanização do curso de medicina – ou seja, tornar a formação dos médicos mais voltada para a prevenção. Após o golpe de 2016, o programa passou a ser desidratado e finalmente acabado com o governo Bolsonaro, que expulsa os médicos cubanos com base em um discurso covarde e atende às exigências do “Tio Sam”.

Que falta sentimos dos médicos cubanos, que iniciaram o processo de humanização de nosso sistema de saúde. A população já se acostumava com o médico ligando no final de semana para saber se já estava melhorando, ou aquela médica que ligava pra perguntar por que a mãe não levou a criança para vacinar. 

Hoje em meio a pandemia, Cuba dá exemplos de como controlar a doença, preservar vidas e mesmo assim preservar sua economia. Cuba tem hoje quase 1,4 mil casos confirmados de coronavírus, 3,5 mil pessoas internadas com suspeita e apenas 54 mortes. É um país cuja economia depende em grande parte do turismo, que hoje não existe em função do coronavírus, mesmo assim não esperou o colapso para fechar fronteiras. Cuba envia voluntários para África, Europa e Ásia no combate a doença. Enquanto os EUA estão retendo equipamentos médicos de outros países que precisavam urgentemente. Quantas vidas não se perderam por isso?

Por fim, se os médicos cubanos estivessem atendendo, certamente teríamos como evitar muitas mortes, já que o paciente teria um médico próximo que o avaliasse e o encaminhasse com antecedência ao hospital. A interação precoce salva vidas. Hoje muitos acabam morrendo em casa e outros já estão falecendo nas ruas esperando leitos ou respiradores porque não foram avaliados e internados a tempo.

*João Marcelo Goulart é médico, formado em Cuba e especializado em medicina da família. É um dos oito netos do ex-presidente João Goulart, o Jango. 

Fonte: BdF Rio de Janeiro

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