Ouro Preto não trata seu esgoto, mas desperdiça recursos

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Uma reportagem do G1, realizada pela repórter Thaís Pimentel relata o péssimo quadro do tratamento de esgoto no município, suas precariedades e atrasos.

Como nos tempos de Vila Rica, há 300 anos esgoto de Ouro Preto ainda é lançado diretamente nos córregos

Por Thais Pimentel, G1 Minas 

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A Basílica de Nossa Senhora do Pilar, umas das atrações barrocas mais visitadas da cidade histórica de Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, foi fundada em 1733.

Naquela época, o esgoto era lançado diretamente em um córrego que passa a poucos metros da igreja. Em 2019, a situação é praticamente a mesma.

“O cheiro aqui é insuportável. Ainda mais para gente que vive pertinho desse rio”, disse Alcenira Peterson que vive às margens do Ribeirão do Funil há vinte anos. De acordo com a própria prefeitura, menos de 2% do esgoto é tratado na cidade.

Um estudo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) aponta que há 22,5 mil ligações de coleta da sede e dos distritos. Porém, apenas os vilarejos de São Bartolomeu, com pouco mais de 500 habitantes, e de Miguel Bournier, com cerca de 800 moradores, têm tratamento de esgoto.

“Não existe a implantação dos interceptores nos cursos d’água, necessários para a interceptação e destinação de todos os efluentes para estações de tratamento de esgoto. Dessa forma, estes cursos d’água estão completamente poluídos, com sérios riscos à saúde pública”, diz o estudo de 2018.

Ouro Preto, que é tombada pela Unesco com o título de patrimônio mundial da humanidade tem hoje mais de 70 mil habitantes. Porém, recebe meio milhão de turistas por ano, o equivalente a população de Juiz de Fora, na Zona da Mata. É na cidade que nasce o Rio das Velhas, afluente do São Francisco. O Piracicaba, o Gualaxo do Norte, o Gualaxo do Sul, o Mainart e o Ribeirão Funil também passam por Ouro Preto. De acordo com o estudo, todos os demais córregos e rios do município recebem esgoto.

De acordo com o engenheiro sanitarista e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Paulo de Castro Vieira, o problema de saneamento atinge a maioria dos municípios tombados pelo Patrimônio Histórico Nacional em Minas Gerais.

“Nas 32 cidades mineiras, que representam 50% de todos os bens tombados do país, o tratamento do esgoto não atinge os 10%”, disse ele.

Ouro Preto conta com um dos mais antigos sistemas de água e esgoto do Brasil. Ele foi criado em 1890 e os chamados “tanques de desinfecção”, localizados no bairro da Barra, podem ser considerados como a primeira estação de tratamento do estado. Porém, no século XX, o funcionamento foi interrompido.

“Nós ainda estamos no século XVIII. Precisamos dar um passo para o século XXI. Pouco mudou de lá pra cá. Para isso é necessário a implementação urgente de um plano de saneamento e também de uma gestão colaborativa em que as pessoas tenham consciência do uso de água”, disse o professor.

Segundo a Prefeitura de Ouro Preto, um contrato foi assinado com um consórcio para lidar com o problema. A expectativa é que 100% do esgoto seja tratado dentro de 35 anos.  A previsão é que novas estações de tratamento sejam construídas em três anos”.

Nota da Redação:

A reportagem ilustra o quadro. É assim mesmo. O mau cheiro é indescritível.  Mas, não deveria estar assim.

Vejamos: No período entre 2008 e 2012, a prefeitura de Ouro Preto investiu, através do Serviço Municipal de Água e Esgoto (Semae), milhões de reais para construção de rede coletora, interceptores de esgoto e estação de tratamento de esgoto (ETE).

Durante vários meses, trechos dos bairros Pilar, da Estação Ferroviária e  Barra foram cavados e tiveram a rede antiga substituída, o que tornaria possível levar o esgoto desta região para a ETE Osso de Boi, uma construção localizada às margens da rodovia do Contorno, no sentido de Mariana, através de bombas elevatórias.

Mas, depois de longo trabalho, persistente tumulto no trânsito e transtornos na circulação de pedestres, a obra foi paralisada. A empresa alegou falta de regularidade nos pagamentos e o abandono da mesma foi imediato; ela abandonada permanece.

Porém, durante a última gestão do ex-prefeito José Leandro, uma ordem judicial requerida pelo Departamento Nacional de Infraestrutura  de Transportes (DNIT), obrigava o município a demolir a ETE Osso do Boi, por a mesma ter sido erguida em área de domínio do DNIT e sem nenhuma autorização ou licença, ambiental ou de quaisquer espécies.

A ordem era derrubar a obra, que estava inacabada, mas havia consumido 5 milhões de reais em recursos.

Depois de idas e vindas, a administração municipal, à época, sob o argumento de que só para demolir haveria uma despesa de pelo menos 1 milhão de reais, no ano de 2013, evitou a obrigação de demolir.

Por essa e por outras, o tratamento do esgoto da cidade continua como no século XVII.

Entretanto, o desmando continua e durante a campanha eleitoral de 2016 e elaboração do plano de governo, estrategistas de políticos locais avaliavam que não havia necessidade de aprofundar a discussão sobre saneamento e tratamento de esgoto no município, pois uma recém fundação formada para reparar e recuperar os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão teria recursos suficientes para resolver o problema sanitário de  Mariana e Ouro Preto.

Sem dar conta de resolver o problema ou enfrenta-lo, continuam acreditando nos recursos da Fundação Renova.

Fotos: Thaís Pimentel,/PMOP / Mundo.

Esgoto corre a céu aberto nos córregos de Ouro Preto e atinge áreas nos quatro cantos da cidade Foto: PMOP
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