Petrobras segue receita de Salles e aproveita para “passar a boiada”, afirma economista à Carta Capital

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Por Henrique Jager*
Na sexta-feira 24, a Petrobras divulgou uma notícia um tanto quanto inusitada. Em meio a comunicações recorrentes de privatizações milionárias, a estatal anunciou a venda – em um site de leilões públicos – de três plataformas de produção de petróleo pelo preço de 1,45 milhão de dólares. A título de comparação, uma unidade nova de produção FPSO custa entre 500 a 800 milhões de dólares, segundo os cálculos do consultor Adam Muspratt para o site Oil and Gas iQ. Isso levando-se em conta apenas o valor da unidade, sem considerar os demais custos de instalação.
As três plataformas eram unidades semissubmersíveis localizadas na bacia de Campos, com capacidade de produção 25 mil barris de petróleo/dia, em águas rasas e semirasas. As três estão paradas, mas com todos os certificados em dia e aptas a produzir, com complexos sistemas de produção, refrigeração e filtragem de água, entre outros.

Plataforma da Petrobrás extraindo da camada do pré-sal. Alienação e vendas de bens preocupa entidades e economistas críticos do modelo da gestão colocada em prática na estatal. Foto:Felipe Dana Ag. Petrobrás.

A alienação destas plataformas se insere na estratégia da direção da companhia de focar suas atividades de exploração e produção de petróleo (E&P) na província do pré-sal, colocando à venda – ou mesmo interrompendo a produção – as demais áreas onde a empresa atua. Esse processo de parada de produção exigirá o descomissionamento de vários campos e a venda como sucata de unidades de produção situadas nestas áreas.
A direção da Petrobras comunicou que implementará o descomissionamento de 18 campos de petróleo na plataforma continental (mar), com parada total de produção, fechamento dos poços, recuperação ambiental da área e venda de unidades plataformas. É exatamente esse o caso das três plataformas.

Cenário presente e futuro foi mal avaliado por setores da indústria do petróleo e gás. Queixas dos trabalhadores são volumosas e denúncias da política de desmonte com o “passar da boiada” são quase diárias. Foto: Petrobrás

A abrupta queda do preço do petróleo na segunda quinzena de março – reflexo da forte contração da demanda por combustíveis líquidos e consequência da pandemia mundial de COVID-19 – assim como da falta de acordo para redução da produção entre os principais países produtores de petróleo, criou as condições para a direção da Petrobras tomar a decisão de agilizar sua estratégia.

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Vendo-se obrigada a reduzir sua produção por conta dessa mudança de cenário, a Petrobras deixou de produzir 58 mil barris de petróleo nestes campos de uma hora para outra, acelerando a venda ou a interrupção de várias unidades de produção não prioritárias para a nova estratégia da empresas. Além disso, a Petrobras aproveitou-se da queda dos preços do barril do petróleo para realizar gigantescos processos de impairments, que têm como consequência uma forte desvalorização dos ativos de exploração e produção. Isso porque a estatal, ao adotar parâmetros rigorosos e supondo que os preços do petróleo ficarão extremamente baixos nos próximos anos, diminuiu a expectativa de geração de receitas desses ativos no longo prazo.

Na manhã de uma segunda-feira (14/04/2014), o navio Dragão do Mar, da Transpetro, partiu em viagem inaugural. Na mesma cerimônia, realizada no Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Ipojuca (PE), também ocorreu o batismo do petroleiro Henrique Dias.. Seis anos após, Transpetro está sendo desintegrada para ser privatizada, seguindo modelo de Paulo Guedes. foto: Petrobrás

O cenário econômico traçado para embasar essa decisão é bastante questionável, principalmente no tocante às projeções para o preço do petróleo, destacadas abaixo. Apesar disso, o fato é que a Petrobras destruiu 64,24 bilhões de reais por meio do processo de redução do valor recuperável dos ativos (impairments).


Quadro 1 – Estimativas de Preços do Baril/Brent Utilizadas nos Cálculos da Petrobras
Preço médio estimado Brent (US$)
2020 2021 2022 2023 2024 Longo Prazo
25 30 35 40 45 50
Fonte: Petrobras.

A utilização de preços subestimados implicou na diminuição das estimativas dos fluxos de caixa a serem gerados nas unidades produtivas da empresa, o que tornou vários destes ativos antieconômicos de uma hora para outra. Isso levou a decisões de parada de produção. O quadro 2, abaixo, apresenta o comportamento real dos preços.


Preço do Barril do Brent no Primeiro Semestre de 2020
Preço médio Brent (US$)
Jan/20 Fev/20 Mar/20 Abr/20 Mai/20 Jun/20
62,99 56,01 32,43 27,31 32,37 40,93
Fonte: Ineep

Como se pode observar, os preços reais ficaram muito acima das estimativas utilizadas pela estatal. Uma estimativa do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) aponta que os preços médios em 2020 devem ficar um pouco acima de 35 dólares por barril. Foi essa estimativa de valor para o ano de 2020 que a Shell, por exemplo, utilizou para realizar seus testes de impairments.

Dos campos de produção, o petróleo é transportado, por oleodutos ou por navios, para os terminais da Transpetro e de lá até as refinarias. Após o refino, os derivados são novamente escoados por dutos aos terminais para serem entregues às companhias distribuidoras, que abastecem os mercados nacional e internacional, como a BR distribuidora, Shell,, Total, Royal Dutch Shell., ExxonMobil, ChevronTexaco e BP.. 

Em junho de 2020, o preço já estava no patamar esperado pela Petrobras para o ano de 2023. O preço médio ponderado pela produção ficou em 50,63 dólares nos seis primeiros meses do ano, e em 33,59 dólares entre os meses de abril e junho, período agudo da crise.

Apesar da realidade confrontar as estimativas da empresa, a direção da Petrobras não revisou sua decisão de destruir 64,24 bilhões de reais. Mais do que isso, ela manteve sua estratégia de parar ou mesmo encerrar a produção em campos menos produtivos e acelerou o descomissionamento de poços, o que vai implicar em novos eventos de venda de plataformas, aptas a produzir petróleo e gerar lucro para a companhia, como sucatas em casas de leilão. Estão aproveitando a crise para passar a boiada.

*Economista, ex-presidente da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

  • Confira a publicação em: https://www.cartacapital.com.br/economia/petrobras-segue-receita-de-salles-e-aproveita-para-passar-a-boiada/
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