A tudo que os cerca de cinco mil habitantes do distrito ouro-pretano vêm sofrendo há mais de um ano – pânico face à possibilidade de rompimento da barragem, distúrbios psíquicos e problemas variados de saúde, remoção de quase 600 pessoas da chamada Zona de Autossalvamento, quebra de vínculos afetivos e familiares, desvalorização imobiliária, perda de trabalho e renda, fechamento de atividades comerciais, depredações, insegurança etc. – somam-se as tempestades de poeira que viraram triste rotina, fruto das obras de descomissionamento da barragem, conduzidas sem o mínimo respeito à população, denunciam os moradores.
Os efeitos mais imediatos são tosse seca, cansaço, ardor nos olhos, nariz e garganta, e ainda falta de ar e respiração ofegante, com resultados ainda mais graves para a saúde de grupos sensíveis, como crianças, idosos e pessoas com problemas cardiorrespiratórios. Além, claro, do trabalho redobrado que sobrecarrega as mulheres no cuidado com as crianças e o lar, sem contar os custos elevados com material de limpeza.
Em redes sociais, moradores demonstram todo o dia, o descontentamento com a situação e pedido de socorro às autoridades: “Bom dia com poeira, rinite, sinusite, ansiedade, medos, síndrome do pânico, incertezas e descaso da VALE. Destrói nossas montanhas, destrói o meio ambiente, destrói sonhos e acaba com nossa saúde” diz uma moradora.
Ofícios e apelos foram enviados ao gerente geral da Vale no Complexo de Mariana, ainda na semana passada, solicitando, “em caráter de urgência”, o emprego de caminhões-pipa “em número suficiente para molhar as estradas de acesso da Vale 24 horas por dia“ e outro “para as ruas do distrito e da Vila”.
Mas, diante do agravamento do quadro e do descaso da empresa, o desalento já se instalou, como registrado no aplicativo de mensagens: “Não está adiantando ficar pedindo para a Vale jogar água na poeira depois da poeira se alastrar no território todo. A Vale está careca de saber que se não molhar constantemente vai ter poeira toda hora, tá na cara que ninguém aqui tem moral com a Vale, ela ignora a população e faz o que bem quer, faz hora com a cara dos moradores. Quando ficamos horas e horas reclamando, ela joga um pouquinho de água, depois finge de lerda até a poeira alastrar novamente, aí começa tuuuuuudo outra vez…..A Vale não é amiga nossa, ela quer nos fazer sofrer e nos matar”, destaca uma mensagem na rede social, que classifica a empresa Vale como inimiga e maldosa.
A comunidade apelou para o Ministério Público, que tem alguns de seus membros participando de grupos locais de mensagens e pediu a contratação imediata da Assessoria Técnica Independente (ATI) a que tem direito tanto pela Lei Estadual 23.795/2021, que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens, como por decisão judicial da 2ª Vara Cível de Ouro Preto. A ATI – para a qual foi escolhido por ampla margem de votos o Instituto Guaicuy – tem por objetivo assessorar as pessoas atingidas com acolhimento psicossocial, informação técnica de qualidade e mobilização social com vistas à reparação integral dos danos causados pela mineração.
“Hoje só temos os monitoramentos da VALE. E precisamos ter informações claras e confiáveis. Ninguém consegue acreditar nos dados da empresa Vale”. Outra completa: “Tem que mandar pro Ministério Público. Quem sabe a juíza vê o que estamos passando e libera logo a ATI, antes que a gente morra aqui”.
Esses problemas são de longa data e recorrentes no distrito. Contudo, foram enormemente agravados com as obras realizadas pela Vale, que incluem novo acesso até a rodovia e o descomissionamento da barragem Doutor.
Fotos: redes sociais e mundodosinconfidentes