Após meses de abandono, governo Bolsonaro agora expulsa trabalhadores técnicos da Cinemateca. Acervo de 120 anos de história corre riscos por imperícia
Por Gabriel Valery, da RBA – A Cinemateca Brasileira teve o controle definitivamente passado para o governo Bolsonaro, na manhã desta sexta-feira (7), depois que o secretário nacional interino do audiovisual, Helio Ferraz de Oliveira, acompanhado de integrantes da Polícia Federal e da Guarda Civil Metropolitana, comandou operação de intervenção que retirou o controle da instituição da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto. A ação é parte de mais de sete meses de abandono pelo governo federal das responsabilidades junto à Cinemateca.
Caberia ao governo federal repassar verbas para a manutenção da instituição, o que não ocorre desde o fim do ano passado. O abandono colocou o acervo de mais de 120 anos de história do audiovisual brasileiro em risco iminente. Sem verba, funcionários deixaram de receber e até mesmo a brigada de incêndio local foi desmobilizada.
Funcionários relataram que a chegada dos representantes do governo foi ostensiva e contou com várias viaturas e homens fortemente armados “A situação é muito grave. É inacreditável o que está acontecendo. Temos uma intervenção da Polícia Federal para pegar as chaves da Cinemateca. Há um processo de negociação, mas o governo está irredutível. O principal ponto que nos preocupa é que estão ordenando a retirada de todos os funcionários, sobretudo, os funcionários técnicos especializados”, disse o deputado estadual Carlos Giannazi (Psol), que esteve no local.
A ausência do quadro técnico especializado preocupa. Na Cinemateca, são armazenados materiais sensíveis e frágeis, como películas centenárias. Sem a manutenção devida, o nitrato presente nesses rolos pode entrar em combustão espontânea. “Se acontecer alguma coisa com esse material, estará caracterizado crime de responsabilidade e improbidade administrativa”, completou Giannazi.
Guerra ideológica
O parlamentar, representando a Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa, disse que a situação será reportada a órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). “O governo Bolsonaro é contra a cultura, contra o cinema brasileiro, contra a educação pública, contra artistas e contra professores. Esse comportamento faz parte de uma guerra ideológica.”
Mesmo sem salários há meses, os trabalhadores técnicos não abandonaram suas funções essenciais para a manutenção do acervo e da memória brasileira ali presentes. Ao contrário, iniciaram ampla mobilização, que resultou até mesmo em representação do Ministério Público Federal (MPF) cobrando responsabilidade do governo.
O imbróglio começou no fim do ano passado, quando o governo Bolsonaro, rescindiu, unilateralmente, o contrato com a mantenedora da instituição, a Fundação Roquette Pinto. Os argumentos do bolsonarista foram permeados por chavões extremistas. Acusam instituições de preservação histórica de coisas difusas como “marxismo”, “esquerdismo”, e outras coisas sem sentido.
“O governo federal ignora a Constituição com essa intervenção. Não é possível substituir a mão de obra especializada sem uma transição, o que pressupõe transferência de conhecimento. Isso leva meses, se não anos. Estamos perdendo tempo. Queremos uma audiência com ministros e o secretário de Cultura, Mário Frias, para chegarmos a uma solução imediata”, afirmam os trabalhadores.